Skin Culture, Contortion e Nvlo (SP)
Texto por: Pedro Delgado (Rato de Show) - @ratodeshow
Fotos por: Daniel Agapito (Chato de Show) - @dhpito
Neste início de setembro, mais especificamente no último dia 05, o La Iglesia, já validado reduto do underground da cena paulista, foi palco de um encontro cultural que, apesar das diferentes línguas faladas, tinha como ponto de intersecção as rápidas linhas de guitarra, bumbos duplos frenéticos e o bom e velho “bate cabeça”. Dando início ao final de semana e na missão de espantar a frente fria que retomava a cidade, a programação da casa junto à parceira entre a Xaninho Discos e Caveira Velha Produções trouxe a estreia do Contortion (EUA) e Nvlo (ARG) as nossas terras, junto ao peso e tradição do Skin Culture para selar este verdadeiro encontro entre as Américas.
Skin Culture: 21 anos de dedicação ao rock
Iniciando os trabalhos, ou devo dizer, à comemoração, entrava ao palco o Skin Culture, referência nacional do metal moderno que acendia suas 21 velas em comemoração a uma célebre estrada meio ao underground. Chegando com os “dois pés na porta” (ou talvez os joelhos), começavam com Fall on Knees, título de seu último álbum de inéditas, Lazarus Eclipse, que já dava um ótimo gosto da sonoridade da banda: guitarras dissonantes, baixo frenético, uma bateria que mais parece uma britadeira rítmica e uma voz misturando agressividade e melodia.
Em uma sequência que contou com
Set Me Free do álbum
The Flame Still Burns Strong (2014), uma coisa que chamou a atenção logo de cara na performance, em contraponto a versão de estúdio, foram os berros do vocalista,
“Shucky” Miranda, em alguns pontos da música que se assemelharam mais a um
pig squeal, que sendo proposital ou não, acabou soando uma reinterpretação interessante de seu material, casando muito bem com a energia da música, onde apesar de serem os aniversariantes, era como se o público fosse o presenteado.
Destaque também para o single Devil 19 que traz diferentes velocidades ao longo do som e que chama a atenção pelo trabalho de Fred Barros na guitarra e nos vocais por equilibrar os momentos de maior agressividade da voz de Shucky, com melodia, oferecendo um bom contraponto. O som groovado, já característico da banda e com agradecimentos a Diego Santiago nos baixos, tomou ainda outras proporções, quando Shucky convidou ao palco Brian Stone, vocalista e guitarrista do Contortion, para juntos, no maior clima de festa, cantarem Refuse/Resist do Sepultura, sendo a “cereja do bolo” de um “parabéns” que estava só começando. O vocalista tomou o momento para também agradecer Brian, assim como pontuar a influência do próprio músico sobre seus trabalhos ao longo dos anos e da amizade florescida.
Bruto e cheio de ritmo, o restante da performance foi um passeio pela discografia da banda, com as faixas mais queridas como Breathing Sulfur e Suicide Love, onde impossível não deixar de mencionar a precisão absurda de Chris Oliveira no comando da bateria, que mal se era possível ver, escondido em meio a tantos pratos que ia repetidamente esmurrando.
A sensação fora a de uma festa íntima, ligeiramente acanhada por parte do público, um pouco mais recuado, onde se misturavam fãs e amigos da banda, personalidades da cena que estavam ali prestigiando a apresentação, como
Rodrigo Oliveira
(Korzus),
Rafa Bochnia
(Armiferum) e
Vandré Nascimento
(Ego
Absence), marcando um ótimo início de noite e de um assoprar de velas para a
Skin Culture.
Contortion: Dobrando as leis do metal
Não passou muito tempo para logo na sequência o quarteto do Contortion já estar a postos no palco. Banda formada no início dos anos 2000, mas que foi a partir da década seguinte que veio a sedimentar as principais características do que compõe sua identidade e estética nos dias atuais.
Vindos de Los Angeles, a banda liderada por Brian Stone nos vocais e guitarras, conta em sua formação atual com Gene Juarez no baixo, Jason Engols na bateria e Spencer Strange na guitarra e traz uma proposta moderna e agressiva, daquelas que é difícil de não manter a cabeça (e o corpo) em um movimento constante a cada riff e batida. Vale o destaque para o claro preparo da banda, com direito a figurino, banners e uma extensa opção de merch que ia de camisetas a botons, CDs, patches, palhetas e muitos acessórios que mostravam a dedicação e intenção de chegar ao nosso país causando um forte impacto. Visual esse, que em um primeiro momento poderia muito bem ser confundido com músicos de um evento como um casamento ou festa, que assustaria um desavisado no impacto da primeira nota.
E esse impacto já foi possível sentir imediatamente com
Idiot Box, música de seu último álbum
The Common Thread (2024), que só continuou a reforçar positivamente a primeira impressão dos vocais de
Stone, já em sua participação na apresentação anterior. Mas desta vez, exclusivamente com seu material e com seus companheiros, a coesão rítmica da parede sonora que ia se criando parecia fazer jus ao nome da banda: uma verdadeira contorção de ritmos, velocidade e voz.
Alternando ainda entre seu álbum anterior, Falseflag Paradigm, as músicas Land of the Blind e New Millennium Revolution deram a oportunidade do público se familiarizar com a sonoridade, entre os guturais e vozes limpas de Stone e o groove de Gene somadas as batidas de Engols e as acelerações e desacelerações de Strange que praticamente imploravam por uma roda humana se chocando.
Evento este que aconteceu de forma tímida e que se mostrou um talvez inesperado desafio para os músicos: o de quebrar um gelo que talvez por um tempo tenha soado o mesmo encontrado no Ártico. Em um primeiro momento, nem o anúncio de uma música inédita, nunca antes ouvida, pareceu converter o público que não estava aparentando não gostar do som, mas soava ligeiramente distante, quase que como, “testando” os músicos em profunda avaliação.
Aos poucos, no entanto, a cada intervalo a banda ia descascando uma camada e revelando mais de seu carisma, como com o próprio vocalista ao incentivar o público a se aproximar, afinal, ele não mordia (ao menos que fosse pago para), como o mesmo falou. Entre essas e outras falas sobre seu apreço pelo Brasil, do arriscar um português e algumas caras e bocas, parece que o público começou a ser conquistado e, claro, reagindo cada vez mais ao que mais importava sobre a banda: seu som.
Com destaque ainda para a dobradinha entre Guttersnipe (a queridinha do álbum The Common Thread) e No Destination, e com um público já mais aquecido e próximo, a velocidade e ritmo aplicados na sonoridade e consequentemente no show do Contortion (uma montanha russa de movimentos e texturas como mencionado pelo vocalista em dado momento) parece ser uma que ainda vai cair bem no gosto do público metaleiro do Brasil, não sendo uma surpresa caso retornem em breve. Até lá, o público ainda terá plena oportunidade para tal, afinal, após sua estreia, a banda passará por dez cidades brasileiras entre São Paulo, BH, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, entre algumas destas datas junto ao Krisiun e Malevolent Creation.
Fechando bem mais animados, terminaram prontamente deixando claro para o público que os aguardariam na sequência para trocar uma ideia e tomar algumas latinhas.
Nvlo: hermanos com um poderoso breakdown
Fechando a noite, subia ao palco León Emiliano (vocal), Juani Poncelas (baixo), Aaron Mancenido (guitarra), Max (guitarra) e Ulises Ochova (bateria), o quinteto do Nvlo, diretamente de Buenos Aires. A banda, que mistura elementos do hardcore, death metal e deathcore, vem desde 2018 angariando novos fãs ao redor do mundo, em uma mescla que chama a atenção pelo “charme” também das letras cantadas em espanhol, tendo inclusive angariado espaços como no Wacken Metal Battle de 2023, representando a Argentina.
Não sendo nada bobo,
León
pareceu observar bem as táticas de
Stone
no show anterior, não dando nem espaço para o público pensar:
“Quero vocês todos aqui, perto, venham, até a frente do palco”, disse, com um brilho no olhar que pairava também nos demais integrantes.
Abrindo com De cara al vacío, de seu álbum autointitulado de 2019, a música em 30 segundos entregava a energia própria da banda: riffs cadenciados e rítmicos que apenas cresciam, até despontar no berro mais primal, que seguindo as violentas batidas de bateria, pareciam expurgar do corpo toda a raiva em forma de energia que rapidamente era sentida coletivamente.
Seguiram com El Castigo de No Escuchar, do mesmo álbum, onde impossível não se impressionar ainda mais com o gutural grave de León, tanto para as partes mais desaceleradas quanto nos momentos de maior agressividade e falas afiadas, que tão rapidamente começou a fazer o público simplesmente bater a cabeça e jogar os chifres ao ar, abrindo ainda mais o sorriso dos argentinos.
Depois, foi a vez de
Templanza e
La cura, ambos de sua mais recente
Eclosión (2023), onde os elementos do
deathcore
começam a se sobressair, com o destaque para as linhas de
Juani, ajudando a criar toda aquela tensão comum do gênero antes daquele
breakdown
de simplesmente bater a cabeça. Importante notar aqui também as linhas de
Aaron
e
Max, que para além dos momentos de quebra, utilizam guitarras dobradas para dar velocidade e crescimento à música.
Não à toa, o movimento circular de corpos começou a se formar, com um público visivelmente comprado pela performance. A satisfação da banda era posta em um espanhol no qual León ainda se desculpava por não falar português, algo questionado até mesmo pela plateia, uma vez que estava sendo tranquilo entender o músico.
Com um repertório que contou ainda com Tumbas Sin Salidas, único representante do debut da banda, Ira, o contexto do impacto da nova geração da cena era visível ainda no anunciar dos músicos da apresentação estar sendo transmitida ao vivo via Twitch para os fãs argentinos, um curioso momento que reforça uma cena que não só vive e respira em plenitude, mas também se materializa nas gerações que se utilizam dos novos meios de comunicação para também se conectarem e aumentarem seu público.
Diferentemente do Contortion, a passagem do Nvlo se deu ainda de forma exclusiva por São Paulo, inaugurando o que esperançosamente pode ser uma relação duradoura, de uma banda com grande potencial de crescimento.
Com isso, essa “noite pela América”, passando por três países, chegava ao fim, entre representantes do metal moderno ao moderno “mais moderno”, mas que independentemente de rótulos, nomes, nacionalidades ou estilos, mostrou as diferentes formas de se contorcer e transformar a arte, em uma viva cultura que está longe de ser nula.
Setlist Skin Culture
- Fall on Knees
- Set Me Free
- Devil 19
- Refuse/Resist (Sepultura cover com Brian Stone)
- Supernatural Catastrophic
- Breathing Sulfur
- Bring Me Back to Life
- Suicide Love
Setlist Contortion
- Idiot Box
- Land of the Blind
- Sem informações
- New Millenium Revolution
- Sem informações (música nova)
- Guttersnipe
- No Destination
- Sem informações
Setlist Nvlo
- De cara al vacío
- El castigo de no escuchar
- Templanza
- La cura
- Jronos
- Ignición
- ¡Quémenlos!
- Instinto
- Tumbas sin salida
- Sometidos
- Bastardos en pena
- Péndulo
- Demonopatia
- Desdén
- Claridad
- Los frutos de la antipatía