Death Before Dishonor & Ladrones (SP)
Texto e fotos por: Chato de Show (Daniel Agapito) - @dhpito
Agradecimentos: Tedesco Mídia, New Direction Produções
Muito se fala sobre o “gatekeeping”, especialmente no metal. Dentro dos gêneros mais extremos, infelizmente ainda há uma noção de deixar tudo “separadinho”, para os fãs mais “true”, death metal é death metal, thrash é thrash, sinfônico é coisa de mulher e metalcore é ruim. No hardcore, por sua vez, a história é outra, o gênero em si sempre se beneficiou de vários “crossovers” com outros estilos, sobretudo o metal e o rap. Lá para os lados do Mickey, não tem sido incomum ver bandas de ‘sair na mão’ abrindo shows de rappers ou tocando em festivais de ‘gente normal’.
Com isso em mente, não foi muita surpresa quando foi anunciado o show conjunto do Death Before Dishonor com o Ladrones. Vale lembrar que esse anúncio veio junto de uma leva de shows da New Direction, todos ocorrendo na Burning House em outubro, dentre eles o Integrity, lenda do straight-edge, que tocou neste último final de semana (26/10), e o Sworn Enemy, banda de harcore/metal que se apresentaria no dia 19/10, mas teve sua performance cancelada por baixa venda de ingressos. Apesar de um cancelamento de show sempre ser uma das piores saídas, especialmente por esse motivo, vale parabenizar a produtora por sua clareza e transparência quanto a isso.
Voltando para a festa daquela sexta-feira, quem é o
DB4D, quem é o
Ladrones e quem abriria o show? Os headliners foram formados em Boston no começo dos anos 2000, rapidamente se consolidaram como um dos grandes nomes da cena da costa leste, lançando álbuns para lá de pesados como
True Till Death (2002),
Friends Family Forever (2005),
Count Me In (2007) e
Better Ways to Die (2009), voltando ao estúdio 10 anos depois com
Unfinished Business (2019), e retornando esse ano com
Nowhere Bound. Eles até já haviam carimbado o passaporte no Brasil, acompanhando o
Cro-Mags (a outra versão, não a de
Harley Flanagan, que tocou na
Burning esse mês) em 2010, mas desde então, muita coisa mudou, algo que discutimos em entrevista:
Acesse a entrevista completa com Brian Harris aqui:
https://ratodeshow.com.br/bryan-harris-death-before-dishonor
Uma das maiores sensações da música mexicana contemporânea, o
Ladrones traz uma proposta híbrida, mesclando o som do rap mexicano com o peso do metal moderno. Descrevendo assim, por cima, fica difícil de realmente entender essa fusão, sem o instrumental, as músicas poderiam facilmente ser de um
Bad Bunny da vida, mas desconsiderando o vocal, sobra um
Architects.
As duas bandas de abertura seriam completamente discrepantes entre si, mas, vistos os grupos que fecharam a noite, fizeram bastante sentido: Worst, nome consolidado do hardcore violento nacional, e Odeon, grupo que mistura o metalcore com funk carioca (e outras vertentes da música urbana tupiniquim).
Odeon - abrindo o bailão com estilo
Os shows daquela sexta-feira chuvosa foram começar por volta das 19h30, meia hora após a abertura das portas. O primeiro grupo a subir no palco da casa mais quente do underground paulistano foi a Odeon, trazendo toda a energia de seus bailões para o contexto do hardcore. Uma coisa ficou óbvia desde o começo, apesar de serem a abertura do evento, tinham uma base de fãs bastante sólida, e todos eram devotos. Antes de começarem a tocar, o público estava relativamente espelhado, mas quando soou o primeiro acorde de Swipe Up, foi uma onda de gente para a frente do palco.
Vale destacar também a ação que estava sendo feita pelo fã-clube oficial da banda, o NODEO, que saiu distribuindo cartões com links para o pré-save do material futuro deles, junto com uma balinha de coração. Em relação ao repertório, fizeram uma apresentação pontual de 30 minutos, tocando um pouco do material recente deles, do EP 021/011 (Replay, Toxic e Labirinto), mas também contemplando seu álbum de 2022, game. Sua presença de palco também merece ser exaltada, durante a última música, game, já que “a galera não estava animando”, João Diegues (baixo) e Lucas Moscardini (guitarra) desceram do palco e foram tocar logo no meio da pista.
No geral, apesar de estarem desfalcados (seu baterista,
Luigi Paraventi foi substituído pelo
Leto, do
Glória) fizeram um show de qualidade inegável. Mesmo tocando pouco, provaram não só que a cena do metalcore brasileiro está mais forte do que nunca, mas que ela também tem a capacidade de trazer sonoridades diferentes do que estamos acostumados, fazendo a ponte entre o pesado e o acessível.
Worst - levanta a mão quem tem ódio
A próxima banda a subir no palco foram os mestres do hardcore violento, Worst, banda que se tornou uma das referências do hardcore underground mundial nos últimos anos. Quem já viu um show deles sabe exatamente o que são capazes de entregar: peso e energia ininterruptas, além de bastante interação com o público. Dessa vez, não foi muito diferente, a quantidade de stagedives foi reduzida naquela noite, mas era perceptível que nem todo o público conhecia a banda. Independentemente disso, a casa já estava relativamente cheia, e Monstrinho e cia usaram disso a seu favor.
Em julho deste ano, lançaram seu 6º álbum de estúdio, Flesh, que traz uma sonoridade brutal como sempre, inclusive, com alguns flertes com o lado mais metálico do HxC, mas no setlist, o que imperou foram os “clássicos”. Do novo, tivemos as duas primeiras faixas, Inatingível e a própria Flesh, de resto, só aquelas que os fãs já estão acostumados. Provavelmente as duas faixas mais características do grupo, a sequência de Desenterrado e Enterrado, ambas perfeitas para ouvir ao lado de sua avó, foram o ponto alto do show. Existe algo indescritível que muda no seu cérebro depois de você ouvir centenas de pessoas gritando “olhar de pau no cu, sorriso de arrombado”, talvez seja um descarrego visceral, talvez só a magia do hardcore, mas beira a mágica.
Se o
Worst
subiu no palco e não rolou
Vencedores, o
Worst
subiu no palco? Quase chegando ao número de um milhão de streams no Spotify, essa faixa é daquelas motivadoras, para sair na mão com a própria vida, mas ao mesmo tempo, abraçar os amigos e cantar junto. Foi exatamente isso que rolou, a galera mais devota do público ficou dividida entre a roda, se batendo na amizade, e a frente do palco, onde
Monstrinho estendia seu microfone para os fãs, tal qual
A Criação de Adão, do
Michelangelo. Assim como a banda anterior, também tocaram com um baterista diferente,
João Limeira, ex-Desalmado, que deu aula com as baquetas. No geral, não fugiram muito do seu padrão, quem não viu ainda, veja.
Ladrones - todo a força do flow pesado
Enfim, havia chegado a hora que a maioria da casa estava esperando. O Ladrones não era o headliner, mas julgando pela quantidade de camisetas e vendas de merchandise, poderia tranquilamente ter sido. A conexão do quinteto com o público tupiniquim foi instantânea, apesar da barreira de linguagem, pois começaram o show com aquela uma coisa que une a América Latina toda: subiram no palco ao som de um remix da música tema do Chaves. Com um simples “São Paulo” vindo do guitarrista, Macario, a Burning House pegou fogo, e o peso veio logo de cara. Se o ânimo já transbordava pela casa só com os instrumentistas no palco, quando vieram os vocalistas Angel Resendez e Zamyr (gêmeo perdido do Oli Sykes) então, o chão tremeu.
No palco, mesmo não falando a mesma língua dos fãs, os integrantes conseguiam cativar a galera de maneira inexplicável. Como ação do fã clube brasileiro da banda, Zamyr chegou enrolado em uma bandeira do Brasil personalizada, o que levou os espectadores verdadeiramente à loucura. Falando em coisas relacionadas com o Brasil que ganharam o coração dos fãs, uma das faixas do repertório dos mexicanos foi nada mais, nada menos, que um cover da mais que clássica Roots Bloody Roots. Se engana aquele que acha que fizeram uma versão “ladronizada”, mais puxada para o rap, pois mantiveram-a 100% no metal.
Em relação às autorais, nas versões em estúdio, tudo soa polido, com um valor de produção dos grandes rappers mesmo, mas neste contexto diferente dos shows em si, faixas como Así Nomás, que já são relativamente pesadas, se tornam verdadeiros colossos. Isso se dá bastante por conta da performance impecável do baterista, Zornoza, que toca parecendo o Taz. Não é um caso de um membro tecnicamente superior carregando a banda, já que os outros integrantes mandam igualmente bem. Macario, por exemplo, dispensa comentários, não só toca muito, como também é insanamente criativo.
O verdadeiro destaque do show não foi necessariamente o som, mas sim a conexão com os fãs, e o auge disso veio logo no final, ao som de
Así Cambió La Cosa, onde
Zamyr fez um pedido simples, dando uma de
Moisés
e separando o público. O que veio não foi um wall of death, como alguns estavam esperando, ele simplesmente saiu correndo e pulou do palco, logo pro meio de todo mundo, se acabando no meio da roda. Como se não bastasse, nos últimos acordes da última música, terminou nos braços do povo. Ficou evidente que, apesar da diferença de idioma, os fãs brasileiros adoram o
Ladrones e o
Ladrones adora os fãs brasileiros. Não seria surpresa se voltassem em um futuro próximo, tocando em uma casa maior.
Death Before Dishonor - ainda sem perder a vontade de lutar
Enquanto a banda anterior estava no palco, a casa estava empanturrada de gente, era até difícil de andar, mas quando o Death Before Dishonor começou a montar seu palco, boa parte do público começou a simplesmente ir embora, sem mais, nem menos. Eram dois públicos completamente diferentes, e essa é, sim, uma das consequências possíveis destes eventos que misturam público, mas fica aqui minha dúvida: você já está lá no show, já saiu de casa, já comprou o ingresso, o que custa pelo menos ver uma música ou outra do headliner? Independentemente de qualquer outra coisa, com uns 50 gatos pingados sobrando, Bryan Harris e companhia subiram no palco, começando a festa com Inherit the Pain, primeira música do disco novo.
Quem ficou era fã da banda, sim, estavam relativamente animados, alguns abrindo roda, o resto colados no palco, cantando junto, mas o climão era palpável, mesmo com todo mundo deitado ainda daria para ver o chão, então ficou faltando alguma coisa. Tentando manter a energia lá em cima, tocavam uma música atrás da outra, com pouco respiro, Born From Misery, Peace and Quiet, Curl Up and Die.
Foi mais ou menos depois dessa que Bryan tirou um tempinho para interagir com os fãs, aquele famoso "relembrar é viver".
Ele falou da última vez que vieram, em 2010, com o
Cro-Mags, e reconheceu que essa mesma banda havia tocado na casa dois dias antes. Aí que está o pulo do gato, o
Cro-Mags que havia tocado lá era o de
Harley Flanigan, que não é o mesmo que veio com o
DB4D. De acordo com o vocalista,
Harley é um
“cuzão”, e tivemos direito até a um desafio:
“espero que alguém tenha gravado isso, porque se ele quiser vir pra cima de mim, vou também. Ele pode sair na mão comigo que vou ganhar.”
O setlist contemplou várias fases, Count Me In (2007), com sua faixa-título, novamente o disco novo com a envolvente Pushed to the Edge, perfeita para gritar o refrão junto, Unfinished Business (2019) com True Defeat, Better Ways to Die (2009) com Our Glory Days. Uma coisa era constante entre todas as músicas, eram cantadas (ou melhor, gritadas, ecoadas), a plenos pulmões por quem estava lá. Bryan constantemente dava o microfone para os fãs, que vinham correndo e faziam um bolinho na frente do vocalista, querendo cantar, igual formigas quando você deixa cair uma bala no chão.
O último “bloco” veio só com hits, começando já com Will to Fight, a joia da coroa de Nowhere Bound (2025). Depois dela, veio que deveria ter sido um dos pontos altos da noite, Never Again, que é bem aqueles hardcores para sair na mão com meio mundo, gritar abraçado em alguém que você não conhece, mas com o tanto de gente que tinha no show, não foi exatamente isso. Visivelmente desapontado com a atitude do público do Ladrones, Bryan falou: “estou pouco me fodendo que só sobrou umas 10 pessoas, quero ver vocês animados”. Seguiram com mais uma pedrada, 6.6.6. (Friends Family Forever), que também viu o público fazer o caos, que abriu as portas para True Till Death, que não estava nem nos planos da banda, mas tocaram de qualquer jeito. Para fechar com chave de ouro, Boston Belongs to Me, que não tem como não cantar junto. Apesar dos pesares, o saldo do show foi positivo, e dava para ver que a banda teria gostado pelo menos um pouco de tocar, evidenciado pelo fato de que cantaram a maioria dos refrãos como “São Paulo belongs to you.”
Agora, vem aquela pergunta que ninguém quer fazer, será que voltam, ou foi aquela coisa que quem viu, viu?
Odeon - setlist:
- Swipe Up
- Gasoline
- Labirinto
- Toxic
- Replay
- Hostage
- Game
Worst - setlist:
- Inatingível
- Desenterrado
- Enterrado
- Draining Me
- Vencedores
- Flesh
- Transbordando Ódio
- Sem Dó
Não conseguimos confirmar o setlist do Ladrones, aguardamos retorno da banda.
Death Before Dishonor - setlist:
- Inherit the Pain
- Born from Misery
- Peace and Quiet
- Curl Up and Die
- Count Me In
- Pushed to the Edge
- True Defeat
- Our Glory Days
- Overruled
- Will to Fight
- Never Again
- 6.6.6 (Friends Family Forever)
- True Till Death
- Boston Belongs to Me



































