Trovão (SP)
Texto por: Rato de Show - @ratodeshow
Fotos por: Daniel Lucas Camargo - @ghost3d.raw
Agradecimentos: Koolmetal e Tedesco Mídia
O último final de semana que fechou setembro, ainda em tempo para acordar o Billie Joe, foi marcado por inúmeros eventos ocorrendo na capital paulista, onde, assim como naquele grande festival em que duras escolhas têm que ser feitas, o “cada escolha uma renúncia”, nunca esteve tanto em voga. Do mais célebre post-punk com o The Sisters of Mercy a uma coletânea de uma emblemática fase com Anette Olzon interpretando sua passagem pelo Nightwish, aos novos e cheios de fôlego do Blades of Steel e o blackened death metal blasfêmico do Behemoth.
E, dentre tantas opções, havia uma de origem em que não se precisa cruzar o Atlântico ou aguardar o “come to Brazil”, pois essa banda já vive e respira o verde e amarelo. Uma joia rara, que fica ainda mais interessante quando se considera que existem artistas internacionais que, só nos últimos anos, pisaram em mais palcos do que esta banda que, por escolha, vê os palcos raramente, fazendo de suas poucas aparições momentos marcados por antecipação e euforia.
Falo do
Trovão, banda formada em 2018 que, neste ano, nos abrilhantou com seu segundo álbum de inéditas,
Diamante, que tranquilamente se configura como um dos melhores lançamentos do ano até o momento, sendo este evento justamente um show comemorativo de lançamento do álbum — sendo também apenas a quarta subida aos palcos do sexteto paulista. Comandados por
Gustavo Trovão
(vocal),
Alexandre Gatti
(guitarra) e
Alan Caçador
(bateria), como os membros fundadores, o grupo conta ainda com
Lucas Chuluc
(baixo),
Igor Senna
(guitarra) e o mais recente membro,
José Fuza
(teclados). A banda, diga-se de passagem, apesar da “recente” formação, conta com experientes músicos, com passagens por bandas como
Selvageria,
Azul Limão,
Night Prowler,
Álcool,
Tiger,
Flageladör
e por aí vai.

Álbum de qualidade, músicos experientes e o melhor que o hard n’ heavy poderia oferecer, a noite do aço já podia ser vista como sucesso ainda do lado de fora, onde, mal as portas haviam se aberto, um mix entre um aglomerado de pessoas e uma fila se formava ao lado de fora da Burning House, o point escolhido para a noite.
Dentro do espaço, a aglomeração foi rápida e crescente, dividida entre aqueles que não perdiam tempo para já comprar seu merch — entre vinil, camiseta, boné, patch e afins — e aqueles que já se postavam com sua cerveja em mãos e em ânimo em frente ao palco. Marcado para as 20h30, era possível ver certa movimentação por parte dos músicos indo de um lado para o outro, ligeiramente nervosos e com o rosto em um mix de tensão e animação que parecia conversar com o do público.
Um leve atraso, luzes apagadas e, se você adentrasse a casa próximo às nove, após a primeira batida do bumbo, no entanto, teria encontrado uma casa completamente vazia. E não, não por conta de um “flop”, mas porque o backdrop com o nome da banda, envolto entre o antigo carro suspenso na parede da
Burning House, assim como em
De Volta Para o Futuro, ao subir ao palco, fazia com que o público fosse transportado junto à banda ao coração dos anos 80.
Tudo bem que essa atmosfera já estava muito bem desenhada desde o lado de fora, com o público entre jaquetas de couro, cabelos cacheados, hairsprays, munhequeiras e afins, mas é inegável que essa subcultura oitentista vai muito além de sua década e nuance visual. Ela também é representada em uma postura e atitude que são preservadas, cultuadas e propagadas até os dias de hoje. E isso era absurdamente refletido pela energia e imediato carisma que a banda transbordava.
Abrindo com Preso ao Passado, nunca uma música pareceu fazer tanto sentido pela atmosfera criada dentro da casa. Com um público que cantava letra a letra a plenos pulmões, Gustavo Trovão tinha o público na mão desde o primeiro instante, de modo que ele poderia ter o gingado de uma porta e ainda assim seria algo bem recebido. Que bom que, longe disso, o frontman esbanjava muita malemolência, impulsionado ainda por seu traje que gritava Jaspion em sua forma “humana”.
Seguida por
Trovão, as primeiras duas músicas vieram para jogar brilho ao motivo da festa, sendo impossível não se encantar pela banda, mesmo para quem não a conhecesse. Das guitarras extremamente metalizadas de
Gatti
e
Senna, com os solos de tirar o fôlego de
Igor
(que entregava não só nos acordes, mas nas caras e bocas), ao baixo rítmico e sempre presente de
Chuluc, juntamente com as batidas energéticas de
Caçador, somadas ao seu mix de pratos e chimbal, trazendo um charme à parte. Mas é impossível não dar destaque à persona de
Trovão
— com seu figurino, pose e, certamente, a marcante voz — que, cantada naquele português falado, trazia personalidade e autenticidade, em uma pegada meio
Dio, com energia meio à la
Freddie Mercury, e
Fuza, talvez o que mais transpirava uma energia anos 70/80 sem esforço nenhum, com seu bigode e energia meio belchiornesca, que dava vida ao teclado tão marcante, parecendo ser a verdadeira cereja do bolo que amarra todos os elementos e ilumina este raio do passado.

O foco foi cem por cento nas músicas e nas entregas, sem muito espaço para conversas longas e enrolação. Entre, claro, agradecimentos e uma visível felicidade pela presença de todos — e também pela dupla função de Gustavo, que, além de cantor, resolveu ser barman, servindo doses de vodca direto em copos e bocas, para dar aquele verdadeiro clima de festa.
Distante e Princesa do Fogo vieram então, sendo as primeiras representantes do debut Prisioneiro do Rock 'n' Roll e, juntamente com elas, parecia que cada vez mais a Burning House realmente estava “burning”. Fosse pela quantidade de gente, o movimento entre os corpos ou as doses presenteadas, o calor ia consumindo o ambiente, transformando a casa em um pequeno inferninho. Voltando ao álbum mais recente, Até o Fim, Não Lembre Mais de Mim e Olhos da Cidade vieram para manter a energia construída até o momento e solidificar cada vez mais a noite como um sucesso. Entre alguns crowd surfings e um público totalmente entregue ao bate-cabeça, tivemos ainda eletrizantes solos de guitarra mostrando toda a potência e competência tanto de Igor quanto de Alexandre, mas tudo isso preparando o terreno para um dos momentos altos da noite.
Recebendo um pacote de papel pardo com manchas vermelhas, parecendo aquele splatter deixado pelas figuras vilanescas da época, como
Jason
ou
Freddy,
Gustavo
rapidamente o abria, revelando um grande painel com a arte do álbum, denunciando a chegada de
Diamante, autointitulado crítico, belo e reluzente, assim como a joia — e uma réplica do mesmo, segurada por
Trovão
durante a música para adicionar aquele peso dramático.

O Brilho, outra do Prisioneiros, e Insanidade vieram para fechar o grande ato da performance, que, naquela altura, em partes, poderia se dizer que tivera sido o suficiente em termos de entrega, performance e show — longe, porém, de ser o suficiente para deixar o público satisfeito, que tão já se colocava a gritar a plenos pulmões pelo nome da banda.
Rapidamente, José retornava, com novo figurino, brincando com os sons do teclado até embalar nas primeiras melodias de Seres da Noite, quando, a seu modo, os integrantes voltavam em novo figurino e novas energias para fechar a noite com chave de ouro, entregando tudo até a última gota de suor. Linha de Frente foi a escolhida para esta missão, revelando um conjunto completamente satisfeito, com o sorriso no rosto por sentir ter estado à altura das exigências de uma casa lotada.
Ao término da última nota, entre palhetas e baquetas aos ares, cumprimentos e fotos eram imediatamente distribuídos, em uma união entre público e banda forjada no aço. Como prometido, ainda, a banda retornaria para festejar com o público após uma breve pausa, no que veio a ser, sem sombra de dúvidas, um belo início de comemoração para
Diamante
— um álbum que não só ficará marcado na história da banda, como, igualmente, seu show, que veio para elevar ainda mais a potência estrondosa que esta banda pode e irá alcançar, seja através da escassez de seus shows ou de um futuro cada vez mais crescente.

Setlist Trovão
- Preso ao Passado
- Distante
- Princesa do Fogo
- Até o Fim
- Não Lembre Mais de Mim
- Olhos da Cidade
- Diamante
- O Brilho
- Insanidade
- Seres da Noite
- Linha de Frente