The Dead South (SP)
Texto por: Rato de Show
Fotos por: Raíssa Corrêa (@showww360)
Agradecimentos: Tedesco Mídia, Sellout Tours, Agência Powerline e Aldeia Produções
Agradecimentos especiais: Rarozine (@rarozine)
Vivemos hoje um momento em que os feudos de estilos sonoros são tão amplos quanto as estrelas no céu em uma história que, ainda que rica e em construção, quando comparada com outras referências seculares, faz da música moderna um pequeno infante. É assim com o metal, assim como com o rock. A prova disso é que podemos ainda assistir a nomes que tiveram parte em sua fundação ou começar apenas nos últimos anos a lamentar pelas perdas naturais do tempo.
Mas isso não significa que em tempos passados não houvesse estilos que também desafiassem a sua época, imprimindo seu próprio senso de crítica, expressão e contracultura. Estilos estes que, longe de colocar em tempo pretérito, se encontram vivíssimos e imexidos.
É o caso do folk, do swing, do country e do blues, que, resistentes e com uma história de simplicidade, de trabalho, de sangue e opressão, servem como uma forma de ensino entre gerações. Tal qual uma festa hoje só é festa quando toca aquela boa seleção do Furacão 2000, houve um tempo em que uma festa só era uma festa acompanhada de um banjo, um violino, um violão e companhia.
Mas é importante ressaltar que este “tempo passado”, na realidade, se encontra muito presente, com grupos que, ainda que modernizando, fazem um exímio trabalho na manutenção desses estilos e de suas origens, perpetuando assim a tradição.
Um bom exemplo disso se deu no último dezessete de outubro, na capital paulista, com a estreia em solo tupiniquim do The Dead South, banda canadense de folk-bluegrass, que se autoproclama como os “gêmeos malvados” dos Mumford and Sons, já deixando claro um veio mais pesado, rápido e envolvente em sua linha criativa. Mas adentrarei sobre a banda mais adiante, onde primeiro precisamos falar sobre outra grata surpresa da noite: o Tião e os Bravos.
Em uma noite iniciada em pontualidade, um grande fluxo de pessoas se colocava ao lado do
Carioca Club, em aguardo para adentrar a casa — ou melhor dizendo, o saloon —, já que o clima do dia era completamente do maior western à la bang-bang possível. E isso não era algo apenas no ar, mas nas vestimentas de uma grande parcela de fãs que, assim como o próprio
The Dead South, se colocavam entre roupas brancas, calças pretas, suspensórios, chapéus e gravatas, o que quase instigava a olhar para o lado à procura da clássica bola de feno rolando no horizonte em plena Faria Lima.
Mas antes que o whiskey pudesse descer à garganta e subir à mente, ou que um duelo se pusesse à frente, como dito anteriormente, tivemos os trabalhos sendo abertos pelo Tião e os Bravos, quarteto roçeiro que, saindo do celeiro, se colocou sob o palco com muito bom humor, improviso e feeling musical.
“Uma mistura de cachaça com Coca-Cola — uma combinação que ninguém esperava”, como diz a banda. Com Irinelson no baixo acústico, Zé Medonho na voz e violão, Chico Butina na voz e banjo e Barnabé no comando das vozes, washboard e sampler, a proposta da banda é simples e muito efetiva: um repertório majoritariamente de covers de diversas vertentes, do rock ao metal, em uma releitura de folk caipira americano com vários “quês” de brasilidades dando um toque de originalidade absurdo.
De Alice in Chains a AC/DC e Linkin Park, o efeito “capirizante” foi imediato, e todos aqueles que não sabiam o que esperar automaticamente entenderam como seria aquele momento: risos, animação e uma verdadeira baderna. Com um visual típico das festas de junho e julho, o quarteto conquistou o público imediatamente, sendo impossível não se cativar e criar curiosidade em cima do washboard — instrumento que tem suas origens em um DIY por bandas e músicos por vezes sem acesso e que, a partir de criatividade e uma tábua de lavar roupa, construíram toda uma complexidade de texturas e sons de percussão (e até de sopro), em uma espécie de cinto de utilidades do Batman versão Sítio do Picapau Amarelo.
Se já não bastasse o seu manuseio por parte de
Barnabé
à medida que a música desenrolava, em deixas durante as músicas e até em meio a conversas com o público, este pressionava o sampler, que soltava um
“Hadouken” ou som do bem-te-vi, que era simplesmente genial, dando aquele toque de personalidade com humor.
Passando por Green Day e aquela indispensável homenagem ao Príncipe das Trevas com “Crazy Train”, o ritmo, que ora desacelera e ora acelera, típico do bluegrass, parecia se encaixar virtualmente em qualquer música, naquele mix de drama com velocidade e festejo. Entre as músicas, ainda houve tempo de encaixar alguns trechos de outras, que foram desde “O Pão da Minha Prima” até “Galinha Marilu” e “The House of the Rising Sun”, uma mistura que eu sei que você não esperaria encontrar em uma mesma frase, mas que aqui posso dizer com toda a convicção: encaixa.
Encaixou assim como em “T.N.T.”, onde Chico Butina e Zé Medonho fizeram questão de apresentar uma nova versão da clássica dos australianos: a “Je-qui-Tí”. Mudança essa que, caso se confirmem os rumores da vinda do AC/DC para o Brasil no próximo ano e este não for o real refrão, alguma coisa vai estar errada.
Mas, brincadeiras à parte, o restante do repertório — que contou de
Nirvana
a
Wando e passou tão rápido quanto os acordes de
Irinelson
— mostrou uma forma irreverente, abrasileirada e divertida de se desconstruir a música e grandes clássicos, repaginando-os com a moda caipira em um verdadeiro encontro entre o “velho” e o “novo”, que pouco se vê por aí. Um tipo de regionalismo no ponto, que cumpriu com perfeição a tarefa de abrir os sorrisos do público, que, por um segundo talvez, tenha esquecido que a “encrenca” havia chegado à cidade e que a noite de confusão e briga de bar estava apenas começando.
À medida que os ânimos foram se acalmando e as luzes escurecendo, o clima pelo Carioca era de crescente ansiedade, até o momento em que os acordes suaves de “Snake Man, Pt. 1” começaram a correr pelo som do PA, naquele misto de luzes frias e escuras, enquanto a plateia clamava a todos pulmões enquanto adentravam Nate Hilts (vocal, violão e mandolim), Scott Pringle (vocal, violão e mandolim), Colton Crawford (banjo e percussão) e Danny Kenyon (vocal e cello), se posicionando mais ao fundo do palco, em uma linha reta-horizontal que, assim como o backdrop refletia, fazia menção a cada um dos músicos através de um símbolo (gravata, barba, crânio de vaca e gravata texana).
A vestimenta, a iluminação e o clima carregado de drama e de toda a teatralidade que conversa diretamente com as letras das músicas do
The Dead South estavam simplesmente no ponto, de forma que poderia ser confundido com uma reencenação dos tempos antigos. E a própria sonoridade de
“Snake Man, Pt. 1”, que passa a se tornar mais sombria já próxima do seu fim, criava uma tensão que foi completamente quebrada (assim como talvez os “personagens” dos músicos) pelo sucessivo ovacionar dos fãs, que surpreendeu os mesmos tamanho o barulho ensurdecedor.
Foi com essa energia que
“Snake Man, Pt. 2” se iniciou, conforme os músicos caminhavam lentamente do fundo do palco até a frente, no que viria a se provar como um show simplesmente mágico.
“20 Miles Jump”,
“Son of Ambrose” e
“Boots” formaram a primeira leva de músicas que davam um ótimo gosto do que a banda era capaz: entre a agilidade agressiva do mandolim de
Scott, que criava toda a intensidade da atmosfera; a voz cristalina e encorpada de
Nate, que preenchia o ambiente; juntamente aos acordes graves do cello de
Danny, que, mesmo segurando um instrumento que limita o movimento, se movia no raio de alcance que tinha, sempre com um sorriso no rosto. Até mesmo o visivelmente mais introvertido
Colton
parecia completamente à vontade com os acordes do banjo, responsáveis por boa parte da personalidade das músicas.
E novamente, ainda que toda a atmosfera dramática e teatral estivesse repousada sobre nós, o barulho e a euforia do público eram ensurdecedores e não só pelas vozes, mas pelas constantes e ininterruptas percussões de corpo, ou, como bem diz a música, “É na sola da bota, é na palma da mão”.
Passaram por mais algumas, até um giro mais sombrio pelo seu acervo, como em “Time for Crawlin’” e “The Recap” — esta última, onde é impossível não elogiar o trabalho maravilhoso do jogo de luzes (presentes a todo momento), que sabia o momento certo do seu apagar, as faixas de luz quente ou do azul frio, que pareciam acomodar perfeitamente o que a atmosfera pedia. O contraste das sombras que se formavam nos chapéus, principalmente de Nate e Scott, escondendo sutilmente algumas partes de suas faces conforme estes entoavam e produziam a agressividade presente nas músicas, mesmo para quem não entende ou sequer sabe as letras, tornava possível “sentir” as emoções e histórias que ali estavam sendo contadas.
Como não sentir drama maior conforme Scott batia ritmicamente seu pé, que, com um tambourine de pé encaixado, fazia ecoar o som dos chocalhos junto a soma de todos os outros elementos descritos tornando o uso do termo “etéreo” algo tão palpável e, de certa forma, tão mal utilizado em tantos outros lugares por aí, perante a representação desta palavra diante dos olhos.
“That Bastard Son” e
“Black Lung” deram ainda mais destaque a outro elemento que se sobressaía em muitos momentos para além dos acordes, batidas e caras de mau: as vozes. Potentes, fortes e complementares, fosse nos gritos sustentados de
Scott, que eram simplesmente de tirar o fôlego, quanto no coro entre o quarteto, que, de forma tão simples, dava aquela sensação de termos sido transportados ao Velho Oeste americano.
E curioso ver também como essa atmosfera se constituía, música a música. Não era preciso uma cenografia complexa ou um jogo de vídeos elaborados no telão. Um simples caminhar do fundo do palco para a frente, no ritmo das músicas, seguido de um valsear para lá e para cá, no tempo certo, trazia, em simplicidade, toda essa experiência atemporal que dava sentido a uma cultura distante da nossa.
Talvez a trinca mais forte da noite, a “balada” “Broken Cowboy”, seguida da mais conhecida, “In Hell I’ll Be in Good Company”, e “Honey You” provou que o público estava ainda muito longe do ápice de sua energia, dando um leve gosto aos canadenses do porquê os brasileiros são os favoritos dos gringos. Destaque para “In Hell”, onde, fora poder ver ao vivo a execução do clássico assovio de Danny, junto aos primeiros ritmos do acorde do cello, os músicos abriram ainda suas latinhas de cerveja, bebendo e fazendo uma espécie de passinho e estalando os dedos, tal qual a sensação de movimento do videoclipe, tornando o momento de diversão e nostalgia para os fãs mais sêniores que acompanham a banda desde sua criação em 2012.
Ao som dos trovões e com o cair das luzes mais uma vez, a banda saiu de cena apenas para retornar à medida que os gritos incessantes se faziam presentes, para um encore digno que contou com “Clemency”, “Completely Sweetly”, “Travellin’ Man” e a inconfundível “Banjo Odyssey”, que basicamente é o “Pão da Minha Prima” tocado mais cedo na abertura, mas nessa, como se o padeiro fosse também o primo.
Certamente um encore mais energético, upbeat e cheio de ritmo, onde, ainda que tendo lá suas “nuvens negras” — típicas de algumas das letras do The Dead South —, certamente deixou passar alguns raios de sol para fechar a noite com aquele clima quente, descontraído e enebriante.
Uma estreia digna em terras brasileiras que se depender da recepção da casa e das feições dos artistas marca o início de um longo e duradouro relacionamento, talvez por descobrirem que o sangue sertanejo também corre na veia dos roqueiros brasileiros que compareceram em peso para celebrar com a banda.
Tião e os Bravos - setlist:
- Alice in Chains - Man in the Box
- ACDC - You shook me all night along
- Linkin Park - Numb
- Green Day - She
- Ozzy Osbourne - Crazy Train
- ACDC - T.N.T
- Stone Temple Pillots - Plush
- Nirvana - Lithium
- Wando - Fogo e Paixão
- Creedence Clearwater Revival - Have you ever seen the rain
The Dead South - setlist:
Snake Man Pt. 1 (Pelo sistema de PA)
- Snake Man Pt. 2
- 20 Mile Jump
- Son of Ambrose
- Boots
- Yours To Keep
- Time for Crawlin'
- The Recap
- Father John
- That Bastard Son
- Black Lung
- A Little Devil
- Broken Cowboy
- In Hell I'll Be in Good Company
- Honey You
- Clemency
- Completely, Sweetly
- Travellin' Man
- Banjo Odyssey



