Resenha: The Scream Of The Valkyries - Cradle of Filth (2025)

O som do firmamento

Em março deste ano, chegou às plataformas digitais e físicas ao redor do mundo o 14º álbum de estúdio da prolífica banda inglesa de metal extremo Cradle of Filth, The Screaming of the Valkyries, com distribuição pela Napalm Records. Contando com produção de Scott Atkins, que já fez trabalhos com bandas como Behemoth, Vader e Gama Bomb e é um recorrente colaborador da banda desde 2008 quando trabalhou como engenheiro de som em Godspeed on the Devil's Thunder.


O álbum também marcou um importante momento de transição, sendo a primeira gravação de estúdio de seus dois novos membros, Donny Burbage nas guitarras, e Zoë Marie nos teclados e voz. A banda que tem em seu nome uma já consolidada história vem ganhando elogios pelo novo álbum ao redor do mundo, rendendo também uma extensa turnê que passa pelo Brasil agora em agosto, passando por Limeira (21/08), Curitiba (22/08) e São Paulo (23/08).


Os ingressos se encontram disponíveis e podem ser adquiridos através da Fastix para Curitiba e São Paulo e para Limeira através da produtora local, Circle of Infinity.


To Live Deliciously


A primeira faixa do álbum, parece em minha opinião ser uma perfeita epítome do que o ouvinte irá encontrar ao longo dos 56 minutos de duração do álbum: um Cradle of Filth em sua essência, com composições elaboradas, mas diretas, naquele mix entre o gótico e o black metal que sempre foi irreverente e que não demora para entregar seu clímax.


Um verdadeiro hino hedonista, aparentemente inspirado no filme A Bruxa (2015), que traz justamente através de seu conto de horror a dualidade entre a fé e a espiação e a liberdade de ser em seus desejos e vontades. Neste aspecto, essa música parece nos conduzir justamente a estas sensações, seja na escalada das guitarras entre melodias limpas e afiadas, quebradas pela fala mais áspera e corrida de Dani Filth, potencializadas também por seus gritos blasfêmicos que mais parecem vindos da mais furiosa banshee, ou neste caso, o verdadeiro "grito de uma valquíria".


Nesta música já dá também para ouvir, ainda que timidamente, as participações vocais de Zoë , mas que certamente se destaca neste aspecto são os arranjos de teclado que desde os primeiros segundos da música ajudam a crescer e dar todo o elemento de teatralidade e drama, mas que não geram necessariamente tensão, afinal, esta é uma música sobre o prazer.

Demagoguery


Aqui, saímos de um universo da liberdade e do prazer para o da alienação e do escárnio, um cenário apocalíptico e ominoso como resultado da demagogia escancarada de uma dança política que recai sobre a população. Uma crítica ao mesmo tempo que cheia de símbolos, completamente direta ao trazer a palavra Demagogia (Demagoguery) no início da construção da primeira parte, até a segunda, quando a palavra se muta para Demonologia (Demonology), unindo ambas sob um mesmo teto.


Trazendo também a fala "Demônios são libertados para a farra e a tortura por decreto", a música traz essa relação do sacrilégio e do blasfêmico para o corrompimento das instituições que trazem um desfecho final para uma humanidade perdida, alienada e completamente cega. Isso se exemplifica perfeitamente no trecho:


"Devotos levados ao frenesi
Da embriaguez na celebração do pecado
Respostas de encantamento e inveja dos dançarinos
Mestres de marionetes puxando as cordas mais rápido"


Neste sentido, as melodias e a composição parecem seguir o tema, trazendo uma frieza e morbidez que distanciam, ainda que em muitos momentos cobertas por uma delicadeza e sutileza. Em contraponto, as cordas e percussão se agravam, trazendo esse sentimento de voracidade daquele que constrói esse cenário de um jogo de cartas marcadas para sua própria ganância. Tudo, alinhado à teatralidade da voz de Dani entre a agressividade, velocidade, os gritos e momentos mais lentos.


The Trinity of Shadows


Em The Trinity of Shadows somos levados a um universo mais diretamente mitológico, que pontua as figuras da Trindade das Sombras: as Ninfas, Moirai e Erínias, todas, criaturas da noite, sendo por consequência, filhas de Nix, ou a Noite. Neste sentido, estamos olhando para um simbolismo do oculto, do gótico, da transformação e dos mistérios.


Essa noção está impregnada nas letras que trazem essa ideia de perigo, do desconhecido e da perdição, através também desta figura ligada ao feminino que tradicionalmente está ligada a forças primordiais. Outro grande ponto de simbolismo está na numerologia do três, extensamente utilizada pela mitologia grega e pela história e produção cultural humana.


A transmutação desses conceitos na sonoridade traz uma música mais teatral e uma composição mais encorpada, mas que também se torna sutil, principalmente nos refrões que são acompanhados por Zoë Marie. Bem mais ritmada, outra grata surpresa também se dá na primeira ponte, onde temos linhas de baixo bem marcantes de Daniel Firth (que curiosamente leva um nome que soaria como uma versão da Shopee de Dani Filth).

Non Omnis Moriar


Aquela clássica faixa-título em latim, que por si só adiciona um toque de drama, Non Omnis Moriar, ou "Nem Tudo de Mim Morrerá", a mais curta faixa do álbum, com 05:05, é também a bela balada do álbum, onde os destaques ficam desde seu início no hipnotizante arranjo dos teclados que criam toda essa atmosfera fúnebre, bela e imortal, fruto de uma linha do poeta Horácio, que em sua versão original refere-se à imortalidade de sua poesia, mas aqui se transfigura na imortalidade do amor.


Quase que como uma elegia despreocupada pela certeza de um reencontro no amanhã de uma alvorada para além do inverno da morte, a música mescla este lirismo gótico somado às juras de um amor forte, quase vampiresco, que transcende a mortalidade.


Música que leva também uma maior participação dos vocais de Zoë que vêm para equilibrar a voz de Dani, quase que em um dueto belo e macabro. Aqui, à medida que a bateria trabalha para dar ritmo, logo, vida, as cordas e linhas de guitarra entram em complemento, esquentando e dando "vida" para essa jornada final do ser humano.


White Hellebore


Outra sequência que conta com uma participação mais ativa de Zoë nos vocais, White Hellebore traz em sua simbologia o heléboro branco, uma flor de inverno que traz um simbolismo dual entre sua pureza e beleza branca e sua toxicidade, encarnados através da letra em uma espécie de femme fatale, ou viúva negra que da mesma forma que pode conceder o prazer, pode levar a outra parte à loucura e morte.


No entanto, a música associa esses simbolismos, bem como o videoclipe produzido, a elementos de ocultismo e necromancia ao trabalhá-los nessa figura que utilizaria do pacto com o capeta para se apoderar da vida daqueles que enfeitiça como uma forma de retomar a vida.


Essa dualidade também se mantém em termos de composição, indo do lento e atmosférico do refrão à voracidade das estrofes, também equilibradas pelo duo Dani e Zoë . Os teclados acabam também por adotar uma sonoridade mais de órgãos, trazendo todo um peso e funébridade para a narrativa posta.


You Are My Nautilus


A música mais longa do álbum, a sexta faixa, You Are My Nautilus chega também com o lado mais épico do álbum, com grandiosidade, agressividade e uma boa dose energética de perguntas e respostas nas guitarras que trazem ritmo à música. Neste sentido, temos também um lado mais tribal da bateria em alguns momentos, trazendo ritmo e cadência em alguns pontos da música, enquanto o teclado se torna mais sutil, quase como um adorno.


A mensagem, por sua vez, vem com um alerta de uma história que não termina bem, um infortúnio que tem no tamanho de sua ascensão, sua própria queda. Mesmo assim, somos levados por um bom tempo a uma construção de algo, ou alguém achado que soa como a luz no fim do túnel, daqueles de fazer os créditos subirem na sequência. A tradução poderia ser confundida como uma serenata do Lulu Santos, fora de contexto em alguns momentos, como em:


"Naufragado em suas terras verdes
Em profundo encanto sirênico
Quase afogado, você me encontrou e com o tempo
Contra a maré, você salvou esta vida"


Porém, na maior versão MPC (Música Popular do Capeta), a música lentamente traz seu viés mais aterrador, quando a queda chega, e o Nautilus, figura salvadora e elevada, aos poucos, começa a corromper e tornar imundo todas as elegias e prazeres.

Malignant Perfection


Uma música sem segredos e uma verdadeira homenagem ao Halloween, a "perfeição maligna" desta música já se inicia nos primeiros ritmos da melodia do teclado, que parece se costurar no cérebro, certamente, umas das músicas mais bem ritmadas do álbum que traz uma ideia do perigo noturno novamente representado no feminino para a véspera do Dia de Todos os Santos.


Lançada no Dia das Bruxas, o single que também é um videoclipe traz todo esse universo sombrio, com elementos cinematográficos que convergem também no visual da banda, com Dani com seu corpse paint mais acentuado, talvez uma leve homenagem a Jack, do Estranho Mundo de Jack, assim como Ashok, nosso guitarrista cenobita, em sua homenagem a Hellraiser.


A música em si é divertida, rápida e traz muita velocidade principalmente para a bateria, frenética em muitos momentos. Os riffs e solos trazem também essa energia mais para cima, típica de um feriado, ainda que trazendo em seu contexto um teor mais sombrio e de mau agouro.


Ex Sanguine Draculae


Segunda (e última) música com o título em latim do álbum, só pelo final em Draculae, já se dá para ter uma ideia da temática a ser explorada na penúltima faixa do álbum. "Do Sangue de Drácula", é uma jornada intensa, rápida e faminta pela história da criatura imortal da noite e o terror trazido com o cair da noite e seus prazeres.


Definitivamente o som mais pesado do álbum, naquela pegada meio blackened death metal que tem no papel das guitarras afiadas como uma navalha e a bateria frenética um peso que verdadeiramente passa a inquietude de Drácula em sua sede por sangue.


Com novamente momentos em que as linhas de baixo ficam mais aparentes, a música segue tanto em sua melodia, quanto em sua letra, com esse teor mais fantástico e obscuro de um dos contos mais atemporais e queridos. Outro ponto, curioso aqui, se dá novamente na relação da noite e símbolos de trindade como em "Fúrias, irmãs górgonas três".


When Misery Was A Stranger


Talvez sendo bem sucedida em envolver todo o conceito e sentimentos desenvolvidos ao longo do álbum, a faixa final, When Misery Was A Stranger é totalmente representativa de vários elementos dos quais somos apresentados ao longo do álbum.


De orquestrações a riffs rápidos, compassados, bateria frenética e os gritos rasgados de Dani, somos levados a uma última história que reconta o trágico fim de uma história bem real: a nossa. Da decadência do homem moderno, seu estilo de vida, suas guerras e escolhas que trazem o firmamento até o momento onde "a miséria era apenas uma estranha".


Os "gritos das valquírias", neste sentido, vêm para denunciar o final que o ser humano vem cavando para si próprio através de seu estilo de vida. Uma música cruel na proporção de verdadeira, com todo o peso de um som gótico bem próprio do Cradle of Filth, que vem para encerrar a trama, e que, curiosamente, traz consigo o número 9, um número símbolo de conclusão, de sabedoria do universo, mas também de compaixão. Restaria saber se seria uma compaixão para a nossa perpetuidade, ou de quem põe um fim.

E afinal, qual a mensagem?


Em The Screaming Of The Valkyries, o fim está o tempo todo presente. Tal qual o sentido do nome do álbum, onde os gritos dessas figuras mitológicas representavam literalmente o fim, o início do Ragnarök como consequência da falha das últimas defensoras dos céus e o início do apocalipse nórdico.


No entanto, somada a toda ambientação obscura, gótica e malévola, já quintessencial ao Cradle of Filth, a noção de fim com a que somos apresentados é uma de múltiplos vieses, que mostra que o fim pode também ser um recomeço, ou uma transformação, ou até mesmo uma inalteração para o além.


Ainda que conectando esse conceito mais abstrato através de músicas que não se dialogam entre si, esta transformação sob a ótica da noite, das sombras e do luar parece cair como uma luva para este novo momento também vivido pela banda: um que traz sua nova formação, seu novo momento e novas possibilidades de amor, como é o caso do casamento entre Zoë Marie e Ashok e até mesmo o casamento de Dani Filth, que ocorreu também neste ano.


Um tema misterioso, simbólico e sombrio, envolto pela sinfônia negra do Cradle of Filth e selado em uma capa de álbum aterrorizante (ainda que também bela), onde mitologia, passado e presente parecem se unir e convergir numa espécie de ambiguidade entre a destruição iminente, mas não forte o bastante para sucumbir também, à esperança.

SOBRE


Cradle of Filth, formado em 1991 no Reino Unido, originalmente uma banda de black metal, é ainda hoje uma das formações mais reverenciadas e influentes da música pesada. Com o passar dos anos, elementos sinfônicos e melódicos cresceram nas composições e a sonoridade única chegou até ao mainstream.


A banda, sempre com o carismático vocalista Dani Filth e seus gritos dilacerantes e guturais potentes, é também, há décadas, responsável por abrir caminho para muitos dos principais artistas do metal da atualidade com sua mistura característica de peso enegrecido, teatralidade macabra e estilo gótico cintilante.


Seis anos após sua última visita, a reverenciada banda britânica de metal extremo Cradle of Filth desembarca novamente no Brasil em agosto para promover seu mais recente trabalho de estúdio, The Screaming of the Valkyries. A turnê, aguardada com ansiedade pelos fãs, contará com três apresentações confirmadas: Limeira (21/08), Curitiba (22/08) e São Paulo (23/08), trazendo Uada como banda de apoio para todas as datas, esta última em SP, com participação especial da banda nacional Tellus Terror.


SERVIÇO - CRADLE OF FILTH


São Paulo/SP

Data: 23 agosto de 2025 (Sábado)

Horário: 17h (abertura da casa)

Local: Carioca Club (Rua Cardeal Arcoverde, 2899 - Pinheiros, São Paulo)

Ingresso: https://fastix.com.br/events/cradle-of-filth-em-sao-paulo


Curitiba/PR

Data: 22 agosto de 2025 (Sexta-feira)

Horário: 18h (abertura da casa)

Local: Tork 'n Roll (Av. Mal. Floriano Peixoto, 1695 - Rebouças, Curitiba)

Ingresso: https://fastix.com.br/events/cradle-of-filth-em-curitiba


Limeira/SP

Data: 21 agosto de 2025 (Quinta-feira)

Horário: 19h (abertura da casa)

Local: Mirage (Av. Prof. Joaquim de Michieli 755, Limeira)

Ingresso: https://www.circleofinfinityproducoes.com/ingressos/

Cradle of Filth no Brasil