Papangu (SP)

Texto por: Pedro Delgado (Rato de Show) - @ratodeshow

Fotos por: Daniel Agapito (Chato de Show) - @dhpito


 

Hoje em dia é praticamente impossível um apreciador de prog e música experimental se embrenhar pelo underground e não ouvir o nome Papangu. Naturais de João Pessoa, o sexteto vem em franca ascensão musical, espalhando a cultura nordestina para outras regiões do Brasil e do mundo, como foi o caso de sua mais recente turnê pela Europa ainda neste ano, somada ao anúncio de sua participação, pela primeira vez, na próxima edição do Lollapalooza Brasil.



E nessa cheia agenda de shows, a trupe parece fazer do Sudeste um segundo lar, com São Paulo sendo, disparado, um dos locais que mais recebem suas apresentações (confira clicando aqui nossa última resenha sobre o show do Papangu na Burning House). E por qual razão uma banda que vem com tanta frequência continua a lotar as casas pelas quais passa, com o público sempre retornando e ainda em crescimento?


Um dos motivos, já adianto, é a imprevisibilidade quando se pensa em um show da Papangu. Experimentação, feeling, criatividade e bom humor são alguns dos elementos garantidos, que, como consequência, te dão aquela sensação de “primeira vez”, mesmo que esta já seja a sua sexta, sétima ou oitava.


Especialmente felizardos aqueles que têm ido aos últimos shows, onde cada vez mais somos agraciados com músicas “sem nome”, presentes no terceiro álbum de estúdio ainda não lançado e que a banda vem, aos poucos, compartilhando com seus fãs à medida que, com olhares atentos e sorrisos malandros, percebe o impacto desse próximo, e já grande, sucesso.

papangu em SP

Mas não nos adiantemos. É preciso começar pelo começo, e este, dessa vez, se deu no Cine Cortina, no último dia 05 de dezembro. Uma casa talvez pouco conhecida, mas que sem dúvidas impressiona ao entrar, seja pela vista moderna, alternativa e ainda “chic” do andar superior, seja pelo espaço simplesmente aconchegante de seu subsolo, reservado para as apresentações, em um formato retangular, com ótima acústica e uma das melhores sacadas que já vi por aí: um espaço ao fundo com uma escadaria para sentar, recheada de tomadas disponíveis.



Sim, e atenção bandas: por favor, tentem marcar mais rolês no Cine Cortina, pois essa alma cansada agradece a possibilidade de cobrir um evento em tempo real sem dor nas costas e sem o medo constante do celular descarregar.


Indo ao que importa, o espaço da casa, com capacidade para cerca de 500 pessoas, encheu rapidamente, com um aglomerado de pessoas visivelmente ansiosas até o momento em que Rodolfo Salgueiro (voz e teclado), Pedro Francisco (baixo, voz, instrumentos de sopro e percussão), Hector Ruslan (guitarra e voz) e Vitor Alves (bateria) subiram ao palco, valendo ressaltar a ausência de Marco e Raí na noite (mas jamais esquecidos).


Com Rodolfo munido de um triângulo e uma colher (sim, você não leu errado), o caos controlado se instaurou, iniciando em uma jam que desembocou em Ave-Bala, do álbum Holoceno (2021). Só essa já sintetizava tudo o que havia sido dito anteriormente. A forma como o público se conectava com a sonoridade era tão interessante quanto observar a própria banda, justamente pela multiplicidade de sons e texturas que faziam as reações serem das mais variadas possíveis.

papangu em SP

Entre os encantados, os que perdiam palavras e ar, os que dançavam e aqueles cujos olhos simplesmente brilhavam, o único ponto em comum era a euforia e a energia da caatinga brasileira preenchendo o espaço do Cine Cortina.


Um ponto muito interessante da apresentação foi a alternância entre os álbuns Holoceno e Lampião Rei (2024), com músicas do novo disco ocupando quase a maior parte do setlist. As músicas novas e, por consequência, o próximo álbum dão uma ideia de mistura entre os dois trabalhos anteriores, mas com uma pegada mais pesada, mais Holoceno, de certa forma. Um tipo de caos diferente, que só a Papangu é capaz de produzir. Essa nova impressão deixou um gostinho de quero mais, mas também mostrou que estamos diante de um álbum com muitos picos e vales, agradável e instigante de ouvir.


Nesse sentido, destaque para Rodolfo, com sua maestria de orquestração e movimentos quase auto-hipnóticos que denunciam o prazer do músico com o próprio som, e para Hector, que entregou um verdadeiro regaço nos guturais, especialmente em uma das músicas inéditas, cheia de peso, viradas e blastbeats que, somados à potência vocal, deixam claro que esse “novo filho” vem forte.

papangu em SP

Claro que, para além das músicas que deslumbravam o público, mas o impediam de cantar, também houve espaço para os grandes hinos, como São Francisco, Boitatá (Incidente na Pia Batismal da Capela de Bom Jesus dos Aflitos), Oferenda do Alguidar, Acende a Luz e a inconfundível Maracutaia, que sintetiza a experiência papanguzante guiada pelo “chef” Pedro, em meio à improvisação com instrumentos de sopro e animais de borracha.


Destaque ainda para a aparição ilustre de Beibecharque, pet de pelúcia do fotógrafo Fernando Yakota, parceiro fiel no ofício e que, pela primeira vez, protagonizou um momento importante em palco.


Falei momentaneamente de todos, mas é fundamental reforçar a presença necessária de Vitor “Vespa”, uma britadeira em forma de gente, responsável por erguer uma parede sonora agressiva, repleta de blastbeats, viradas e quebras, mas que também sabe apaziguar com leveza e sutileza, aproximando-se mais de uma máquina precisa do que de qualquer outra coisa.

Papangu em SP

Uma celebração digna de festa de fim de ano e a última aparição da Papangu por São Paulo antes do próximo ano. Seja pela fluidez e excentricidade da experimentação e do improviso, seja pelo caos organizado das músicas, ou ainda pelos momentos de tirar o coco para saber se o coco é oco (como no medley com Alceu Valença e Messias Holanda), a experiência do show desse grupo é algo que certamente traz tranquilidade ao descanso eterno do mestre Hermeto Pascoal, que infelizmente nos deixou neste ano, mas que deve saber que a chama da excentricidade antropofágica brasileira segue firme.


E a melhor forma de ter certeza de que foi uma grande apresentação não estava apenas na reação do público, mas no comportamento do segurança e da equipe da casa, que constantemente davam uma escapadinha para conferir o som da escada, batendo a mão no corrimão no ritmo da música, sempre com um sorriso no rosto. A prova cabal de que mais algumas pessoas foram papanguzadas naquela noite.

papangu em SP

Setlist


  1. Ave-Bala(jam)
  2. (Desconhecida)
  3. Água Branca
  4. (Desconhecida)
  5. Boitatá (Incidente na pia batismal da Capela de Bom Jesus dos Aflitos)
  6. Oferenda no Alguidar
  7. (Desconhecida)
  8. Maracutaia
  9. (Desconhecida)
  10. Acende a Luz: I. Alquimia
  11. Acende a Luz: II. O Encandeio / III. Sagüatimbó
  12. Sol Raiar (Caminhando na Manhã Bonita)(intro)
  13. São Francisco
  14. Papagaio do Futuro / Para Tirar Coco(Alceu Valença / Messias Holanda)
  15. Ruínas
  16. (Desconhecida)
  17. (Desconhecida)
  18. Rito de Coroação

Galeria - Papangu