Masterplan (SP)

Texto por: Rato de Show

Fotos por: Rato de Show

Agradecimentos: Tedesco Mídia, Vênus Concerts e LBN Agency


Nem as datas festivas como o Dia das Bruxas são isentas de uma ampla programação nas casas de show da capital paulista. Trocando as fantasias pelos coletes com patches (ou indo de fantasia mesmo até o pico de preferência), de shows nacionais a internacionais, temáticos ou não, poucos tinham uma ligação tão curiosa com essa época do ano quanto o show do Masterplan que aconteceu no dia 31 de outubro no Fabrique Club.


Isso porque, fundando a banda em 2001 logo após sua saída do Helloween, Roland Grapow e Uli Kusch, dois proeminentes membros que deixaram sua marca e que são até os dias de hoje mencionados pelas suas contribuições, criaram o que foi considerado um supergrupo do power metal alemão junto a Jorn Lande, Alex Mackenrott e Jan-Sören Eckert, tendo em seu debut auto-intitulado de 2003 uma potente obra que fazia jus à formação.


Porém, entre arranjos e desarranjos de formação e outros álbuns que parecem não ter mantido o destaque inicial, o Masterplan parece ser uma daquelas bandas que apenas os mais ávidos power-metaleiros sabem da existência, ainda que sendo uma grande joia bruta. Mesmo com uma formação mais sólida na última década, com a chegada do experiente ex-Stratovarius Jari Kainulainen e do vocalista Rick Altzi, e posteriormente do baterista Kevin Kott (substituído nesta turnê pelo brazuka Marcus Dotta), fez com que o nome Masterplan  atingisse uma maior massa de fãs.

seventh seal  em SP

E talvez fosse justamente esse reconhecimento mais tímido que refletiu em uma casa mais enxuta, com poucas cabeças por dentro do espaço do Fabrique Club até a hora da entrada dos andreenses do Seventh Seal, quinteto que não se deixou abalar e vendeu a cada nota e riff toda a energia que tinham dentro de si.


Iniciaram com as músicas do último álbum de inéditas, Mechanical Soul (2013), dando um gosto claro de sua sonoridade: aquele bom e velho heavy metal encorpado e cheio de vitalidade nas interpretações do vocalista Leandro Caçoilo, esbanjando suas notas agudas e força vocal. Destaque também para talvez um dos pontos altos da performance, com a auto-intitulada da banda, em um puro show da bateria de Braulio Drummond e do baixo marcante de Gustavo Marabiza, que ainda roubava a cena entre suas caras e bocas na interação com a plateia.


Impossível também deixar de mencionar as guitarras de Tiago Claro, único membro-fundador na ativa, e Thiago Oliveira, sempre “conversando” entre si naquelas boas e velhas “perguntas” e “respostas” que davam um ritmo acelerado e energético.


Passaram pelo repertório mais recente, com Grace e The Seed of Dissent, mostrando a evolução e o entrosamento da atual fase, ainda que conectando com seu legado de três décadas. Com certeza, um digno início, refletido no apoio do público presente, que já começava a dar um leve indício de crescimento já mais próximo ao fim.

seventh seal em SP

Com mais cabeças a conta, subiam ao palco os guarulhenses do Trend Kill Ghosts, banda formada em 2018 e que desde então vem ganhando crescente notoriedade, sendo um nome já bem conhecido na cena underground paulista.


Trazendo Diogo Nunes na voz, Rogério Oliveira na guitarra, Fábio Fulini no baixo e a presença dos pés descalços e bizarramente precisos da bateria de Alessandro Kelvin, fomos apresentados a um setlist que compunha o acervo de ambas produções da banda, Kill Your Ghosts (2019) e Until the Sun Rise Again (2021), que trazem uma boa mescla entre o power metal clássico e moderno. Infelizmente, o show contou com seus momentos desafiadores para Diogo, que enfrentou alguns problemas de microfonia principalmente na primeira metade da performance, conseguindo contornar da melhor forma possível e mostrando todo o profissionalismo, com seu toque de bom humor e alta energia de sempre.


Entre o público, o problema parecia o de menos, conforme algumas cabeças sinalizavam o apoio enquanto cantavam junto ao músico que, com todo o peso melódico, relembra em muitos momentos um Helloween  na fase Kiske  — e isso não parece exagero, dado que o mesmo também integra a Steel Tormentor, banda cover dos abóboros mais queridos do mundo.


Nesse clima de Dia das Bruxas, tivemos ainda Facing My Ghosts, belo som do último EP de mesmo nome que traz um ritmo mais lento, cadenciado e dramático, em contraposição a Rebellion, que já vem com mais peso e agressividade, com direito a guturais brutos que surpreende desavisados, mas para quem acompanha Diogo também na Throw Me To The Wolves sabe do que ele é capaz, dando esse frescor ao bom e velho metal espadinha.


A guitarra frenética de Rogério acompanhou bem em solos rápidos e técnicos que se fosse pela expressão do músico, parecia a coisa mais simples de se executar. Fulini não ficava para trás, tendo personalidade no baixo, e se antes falei apenas dos pés descalços, é bom reforçar novamente a brutalidade técnica de Alessandro, que elevava a apresentação através de sua fúria rítmica na bateria.


Uma performance que aqueceu ainda mais aqueles que estavam ali desde o começo, assim como o grupo de pessoas que já se fazia mais presente até o término e o início dos headliners.

trend kill ghosts  em SP

E falando neles, tão já era a chegada de seu momento onde já era possível ver um preencher de todos os tipos de bebida alcoólica, da cerveja ao vinho no palco, reforçando a tradição germânica do gosto pelo fermentado. Até mesmo um fã já se colocou a repousar uma garrafa do que parecia ser uma tradicional cachaça próximo aos teclados de Axel, que assim que visualizou o presente logo após sua entrada, o tomou para si como se o Natal tivesse chegado mais cedo.


Jari, Rick, Marcus e Roland vinham na sequência, abrindo com a poética Rise Again, single lançado em 2024, que, se desconsideradas as regravações de PumpKings (2017), se torna o primeiro som de inéditas lançado desde 2010. Um nome simbólico para uma banda que também desde o ano passado parece buscar se revitalizar e reinventar, especialmente em comparação às espaçadas performances ao longo dos anos anteriores.


A música em si é uma ótima introdução à nova fase da banda, junto à voz potente, rasgada e melódica de Rick Altzi. Seguiram com uma dobradinha do famoso Masterplan (2003), com Enlighten Me e The Spirit Never Dies, duas que se destacam por todo peso e criatividade em um verdadeiro anthem que fazia o público berrar a plenos pulmões. Aqui, não tem como não dar destaque para a rápida, viva e hipnotizante guitarra de Roland Grapow, que era a estrela do show. Louros também a Marcus Dotta por vestir com exímio um cargo de tão alto calibre, que provavelmente teria feito Uli Kusch e Kevin Kott, atual baterista, se sentirem orgulhosos da performance.


A interpretação das músicas de Lande na voz de Rick também era algo que se vale de destacar, mantendo aquela energia bem alto astral (mas ainda assim pesada), que ao mesmo tempo que tem aquele “quê” helloweeniano, consegue sim se destacar como uma sonoridade própria. 


O único porém em sua apresentação, de um modo geral e se estendendo ao longo de todo o show, foi o uso de um apoio de leitura para as letras das músicas, algo que gerava certa estranheza, mas que, quando colocado sob a perspectiva de uma banda que não vinha sendo tão ativa, pode ser compreendível. Algo que inclusive pareceu não incomodar o público.

masterplan em SP

Nesse movimento, a orquestração dos teclados, sempre em complementaridade, elevava o conjunto sonoro, ainda que talvez ligeiramente um pouco mais baixo do que se poderia estar. E falando em baixo, apesar do carisma ligeiramente introvertido de Jari, este não tinha uma marca tão presente quanto o restante, especialmente quando comparado às duas apresentações anteriores em que o baixo era bem mais aparente.


Lost and Gone, Crimson Rider e Back for My Life vieram em uma sequência, mostrando uma outra parte do repertório da banda, apreciada pelos fãs mais ávidos — e, longe de serem ruins, mas que acabam tendo que competir com a barra criativa altíssima proporcionada pelo primeiro disco, que inclusive foi a maior parte do repertório do show.


Aqui, vale comentar que outro ponto de destaque, senão o maior, para além da óbvia competência e qualidade musical entregue pelo Masterplan, está no próprio carisma e na dinâmica de relação dos membros. Sempre sorrindo, brincando e com uma latinha ou taça em mãos, era nítida a química, assim como a figura brincalhona de Roland Grapow, que te faz repensar se realmente é verdadeira a percepção do alemão como um povo mais “frio”. Caretas, caras e bocas e interação contínua com a plateia, ao mesmo tempo em que entregava solos eletrizantes, rápidos e energéticos que solidificam e provam o peso e a contribuição do músico para a cena do power metal mundial.


Rick Altzi não ficava para trás, fosse brincando sobre sua queda capilar e lenta transformação em um calvo cabeludo, ou provocando o público sobre o fato de ser Halloween e isso lembrar naturalmente algo (ou alguém) relacionado ao Helloween, mas que este “não seria o tema da noite”. Obviamente, era mentira. Não tardou para The Time of the Oath surgir — única contribuição de Roland Grapow em um dos álbuns mais elogiados do Helloween, e que sem dúvidas é uma das joias do sétimo álbum de inéditas. E ficou claro: parecia que o Fabrique Club havia sido tomado por um júbilo coletivo à medida que acompanhavam Rick na cantoria.


Outra tríade de respeito, Crystal Night, Soulburn e uma das mais aguardadas da noite, Heroes, entregaram exatamente o que o público parecia desejar: essa viagem nostálgica entre grandes clássicos que, mesmo considerando a recente vinda de Roland Grapow em 2024 tocando repertório da era Helloween e Masterplan, tem um peso completamente diferente quando se está diante do Masterplan em si.


Tivemos ainda The Chance, do polêmico Pink Bubbles Go Ape do Helloween, mas certamente um dos maiores destaques do álbum para aqueles que gostam de um bom lado B, seguido de um encore diferente: primeiro pela decisão de não sair do palco como aquele costumeiro “tchau” que todo mundo já sabe que é mentira; depois pela sequência de Crawling from Hell em uma espécie de versão estendida, que pareceu ter se perdido um pouco em alguns momentos entre os fãs, pois junto a ela tivemos solos individuais e apresentação de cada membro, com direito a brincadeiras como Axel mandando um inesperado Burn, mas onde o claro destaque ficou para o solo absurdo de bateria de Marcus Dotta, sendo inclusive algo que fizera os próprios músicos se entreolharem como quem diz: “put# que p#riu, meu irmão”. Sim, foi nesse nível.

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Mas talvez uma das grandes joias da noite, e ouso dizer, talvez o magnus opus de Roland Grapow em seu tempo de Helloween, The Dark Ride veio para sacramentar a noite com o brilhantismo dos seus quase nove minutos que são simplesmente uma viagem sonora, onde é preciso enfatizar que Rick Altzi sustentou a interpretação com força, entrega e presença.


Em mais uma noite de sucesso na noite paulista, diria que o sucesso aqui está representado em uma banda que reconhece seus pontos fortes e sabe focar nesta parte da história para entregar aos fãs exatamente aquilo que eles buscam. Por outro lado, se for para tentar propor uma reflexão, fica também o entusiasmo pelo novo — algo inclusive anunciado pela própria banda, ainda em palco, sobre um álbum que deve chegar no próximo ano — que pode significar, assim como o início, um “nascer de novo” de uma banda que claramente tem potencial para continuar a se reinventar e propor novos alcances. Não que eu ache que o público sequer queira que a nostalgia desapareça por completo, especialmente por vivermos um momento em que a mesma nunca esteve tão em alta, mas justamente em um mundo onde a competitividade se torna agressiva, talvez exista um limite quando se tenta crescer olhando apenas para trás.


Algo que, evidentemente, está no radar, mas que só o tempo dirá qual será o próximo capítulo apresentado pelo Masterplan. Um capítulo que, sem dúvidas, já tem diversos olhos em seu aguardo.


Seventh Seal - setlist:

  1. Beyond the Sun
  2. Mechanical Souls
  3. Back to the Game
  4. Seventh Seal
  5. Pleasures of Sin
  6. Grace
  7. The Seed of Dissent

Trend Kill Ghosts - setlist:

  1. Like Animals
  2. Rebellion
  3. Facing My Ghosts
  4. Deceivers
  5. Puppets of Faith
  6. Poisoned Soul

Masterplan - setlist:

  1. Rise Again
  2. Enlighten Me
  3. Spirit Never Dies
  4. Lost and Gone
  5. Crimson Rider
  6. Back For My Life
  7. Kind Hearted Light
  8. The Time of the Oath
  9. Keep Your Dreams Alive
  10. Crystal Night
  11. Soulburn
  12. Heroes
  13. The Chance
  14. Crawling from Hell
  15. The Dark Ride