Infect (SP)

Texto por: Daniel Agapito (Chato de Show) - @dhpito

Fotos por: Daniel Agapito (Chato de Show) - @dhpito


Muito se fala hoje em dia sobre a presença feminina no rock e no metal. Bandas de sucesso como Crypta e Nervosa furaram completamente a “bolha” da cena nacional, se transformando em atrações reconhecidas mundo afora. Vale ressaltar que sempre houve mulheres na música pesada, mas geralmente, seu espaço era limitado a apenas alguns estilos. O mesmo ocorreu no punk por aqui, com bandas como a lendária Mercenárias e Dominatrix sendo referência no estilo por terras tupiniquins.


Um grupo que trilhou um caminho único, criando um nicho próprio no som mais rápido, o
Infect, que fez muito mais do que ser uma “banda de mulher”, se consagrando como uma das lendas do hardcore nacional em seu breve período de atividade. Entre 1998 e 2003, fizeram diversos shows, tiveram discos lançados pelo selo norte-americano 625 Records, 78 Life Records, Cospe-fogo Records, entre outros, realmente um símbolo de resistência e inspiração para muitos. 


Depois disso, as integrantes seguiram suas trajetórias.
Indayara já fazia parte do Menstruação Anárquica, Juliana teve alguns outros projetos antes de ir para os EUA e tocar com o Replica, agora encabeçando seu projeto solo, Invictus, e Tatiana passou pelo No Violence, I Shot Cyrus e TPM. Dado isso, muitos fãs acharam que nunca mais veriam o Infect ao vivo, que seria algo mais “raio numa garrafa”, aquela coisa que quem viu, viu, quem não viu, não via mais. Mesmo assim, o impacto delas e de sua obra transcendeu gerações, algo que perdurou por muito mais que os 5 anos que estiveram em atividade. 


Após anos clamando, o público finalmente teve seus desejos atendidos quando foi anunciada uma mini-turnê de reunião da
Infect. O primeiro show em 22 anos aconteceria numa quinta-feira, dia 18, no intimista Red Star Studio, ao lado do Invictus (projeto solo de Juliana) e dos punks do Dente Canino (que haviam tocado com a Ju na semana anterior, na La Iglesia), depois seguiram para a Jai Club na sexta (acompanhados do Agravo, Deserdados e Paura), encerrando as atividades mais uma vez depois de uma performance no Estúdio Páprica no domingo, ao lado do NoFimDoDia (de Londrina), Ato Fálico, Obsoletion e Xibari. Estive na Jai na última sexta-feira, e te conto como foi!

Infect em SP

Agravo: a força da nova geração


A primeira banda a assumir o palco da Jai foi a Agravo, banda de hardcore que tem literalmente feito bastante barulho na cena nestes últimos tempos. Trazendo em suas letras pautas importantes acerca do feminismo e da justiça social de modo geral e uma fúria inigualável em seu som, a influência da Infect nelas vai muito além de ser só uma “banda de menina”. Sem dúvidas, sua inclusão no lineup foi um grande acerto. Entre tantas bandas com décadas e décadas de história, foram as representantes perfeitas da nova geração. 


Por conta do sempre incrível trânsito paulistano, este que vos escreve não conseguiu assistir ao seu show completo (por isso a falta de fotos), mas posso afirmar que o que vi foi de qualidade. Parte do repertório foi composto por faixas de seu novo álbum,
Persona Non Grata, lançado em março deste ano. A apresentação em si foi curta, mas não tem como dizer que não foi marcante. Faixas como Zumbi e A.C.A.B. conseguiram animar bem o público - que àquela altura enchia por volta de 30% da casa - e o fato de terem fechado a noite com uma faixa inédita, ainda sem título, foi a cereja do bolo.


Deserdados: punk tradicional de qualidade


Se a banda anterior havia mostrado um pouco do que a nova geração têm a oferecer, o Deserdados trouxe um retrato do que foi a cena há 30 anos atrás. Formados inicialmente em 1995, completando 30 anos esse ano, o power trio formado por Renato Lambão (guitarra/voz), Celo Rocker (baixo/voz) e Favela (bateria) certamente não precisa provar mais nada a ninguém. Em termos de som, apresentam aquele punk tradicional, mais clássico, simples, sem invenções, com aquele pézinho na atitude do hardcore. Tanto nas músicas quanto em sua postura no palco, uma coisa é clara, como diz Punk Até Morrer: “Não estamos aqui para brincar / estamos aqui para protestar”.


A conexão deles com as headliners foi evidenciada ao longo da performance:
Celo disse que havia visto-as quando era adolescente, e Lambão rapidamente complementou, dizendo que “por incrível que pareça, ele já foi adolescente.” Seu show foi um pouco mais longo do que a banda anterior, mais ainda curto o bastante para dar aquela curiosidade nos fãs que ainda não conheciam o trabalho da banda. Vale ressaltar que essa parecia ser a minoria, pois apesar do público ser uma grande mistura de gerações, estando dividido praticamente de forma igual entre jovens e pessoas mais velhas, parecia que a maioria já havia escutado ao menos uma música ou outra dos Deserdados. Mais uma apresentação de qualidade inegável.

Deserdados em SP

Paura: 30 anos sem desculpas para intolerância


Quem já foi em algum show do Paura sabe exatamente a energia caótica que reina durante as apresentações. Liderados pelo para lá de enérgico Fabio Prandini (que inclusive, fez aniversário pouco mais de uma semana depois do show), além de uma formação reformulada, trazendo Thiago Bezerra no baixo e Ramon Montuan na bateria, trouxeram um repertório diferente, recheado de raridades. O show começou com uma introdução no PA, vinda de um projeto futuro, ainda não revelado, passando depois para a clássica Reverse the Flow, do disco do mesmo nome. Com os moshs já fervendo, o público naquela clássica formação de “ferradura” na frente do palco, executaram Karmic Punishment, daquelas para sair na mão com os amiguinhos.


Se tem um disco deles que pode ser considerado “clássico do estilo”, certamente é o
Youkillusweovercome (2005), que esse ano completa 20 anos. Ele mostrou a verdadeira amplitude e versatilidade da banda, que mesmo ainda tendo dois pés fincados no hardcore agressivo e pesado que seus fãs já estavam acostumados, conseguiu mesclar com maestria a nuance e melodia do metalcore. Dentro desse álbum, não tem faixa que define mais essa sonoridade do que In the Desert of Ignorance, que o representou no setlist. Depois dela, Fabio aproveitou para agradecer a presença de todos, agradecendo especialmente “o Jair e o Charlie Kirk, que não vieram”.

Paura em SP

“Se a gente errar, é porque a gente não toca há muito tempo, e a música é difícil”, comentou Prandini antes de Unleashing Hell/Burning the Flags, dobradinha de raridades de History Bleeds, que será relançado em edição especial ainda esse ano. Continuaram na mesma linha com a só um pouco agressiva No Hard Feelings? Fuck You!, uma verdadeira canção de ninar, declaração de amor. Trouxeram um pouco de modernidade com Retaliate, que contou com uma participação ao vivo de Anderson Nego, que havia também emprestado sua voz para a versão gravada, emendada com Urban Decay, que define bem a banda de modo geral, com uma sonoridade que mescla o hardcore com o hip hop, além de uma letra que transborda com crítica social.


O último bloco da apresentação seguiu mesclando o passado com o presente, passando até por covers. Uma medley de
For Each Dead One e Scars of Life novamente jogou o foco para History, enquanto Level of Maturity levou o público diretamente para o final dos anos 90, época do apropriadamente intitulado First Release (1995). Sailin’ On, clássico do Bad Brains trouxe uma dose de ânimo e familiaridade; era difícil encontrar alguém parado na Jai. Para fechar, veio a dobradinha de We Won’t Be Sold e History Bleeds. Uma coisa ficou óbvia, 30 anos depois, o Paura segue sendo referência no hardcore nacional, fizeram jus às suas 3 décadas de história.

Paura em SP

Infect: compensando 22 anos de espera


Como disse na introdução, depois de 2003, depois de seu último show, as esperanças de ver mais um show da Infect foram diminuindo conforme o passar do tempo. Exatamente por isso, o clima na casa antes de subirem no palco era de antecipação pura; emoções à flor da pele, tanto nos fãs, quanto na banda. O público era uma verdadeira mistura de fãs mais antigos, que estavam lá para relembrar e acompanhar a evolução da cena, e fãs mais novos, que não tiveram a chance de ver a banda em sua primeira versão, e esperaram uma vida para finalmente experienciar um show daqueles. Por isso, a atmosfera estava indescritível quando o quarteto subiu no palco. Após uma breve introdução delas - mesmo que todos já as conhecessem - tivemos direito à uma apresentação de Jones Minhocão, poeta do submundo punk, que declamou um poema que reforçou a pluralidade do espaço alternativo.


Começaram logo com dois pés na porta, trazendo uma de suas faixas mais icônicas,
Cansadas de Ódio, cartão de visitas de seu último álbum, Indeléveis (2003). Estrépito, lançado no ano anterior, foi contemplado na sequência com Todas Temos, Irmãs e Lágrimas de Desgosto, todos cortes rápidos, denunciando aspectos variados da sociedade. É incrível, e honestamente, um pouco preocupante, a atemporalidade dessas músicas, que mesmo sendo compostas há mais de 20 anos, oferecem um retrato deprimentemente atualizado do sistema em que vivemos. A banda em si, apesar de estar fazendo apenas seu segundo show de reunião, parecia nunca ter parado, o entrosamento de Juliana, Tatiana e Indayara era invejável, suas dinâmicas no palco se completavam. Helena, mesmo sendo apenas baterista convidada, era peça fundamental desse quebra-cabeça, esbanjando uma energia absurda, mas ainda conseguindo manter a precisão necessária para as músicas fluirem.

infect em SP

Foi um daqueles shows sem massagem, uma pedrada atrás da outra, e as vertiginosas Condicionado, Sendo Fogo e Puta seguiram exatamente nessa toada. A Jai, já lotada, àquela altura (vale lembrar que os ingressos chegaram perto de esgotar), era dominada por um burburinho no meio da pista. Por conta da quantidade de pessoas, não havia mais a formação de “ferradura”, a casa estava preenchida de cabo a rabo, mas o ânimo da galera do mosh não cessou um segundo. Apesar do estilo sem parar da performance, havia algo de leve em sua estrutura, descontraído, às vezes havia pequenos momentos de interação com os fãs entre as músicas, e no geral, parecia mais uma festa entre amigos do que um concerto engessado.


A energia não diminuiu nem um segundo.
Divisão de Tarefas, Família Nuclear e a própria Indeléveis foram cantadas a plenos pulmões pela multidão, que inclusive, se aproximava do palco para cantar, e Indayara usou isso a seu favor, constantemente cedendo o microfone aos fãs da frente, reforçando a interatividade do show e simbolizando uma “passagem de tocha” para a nova geração. Nesse Jogo Você Deve Roubar e Assassino transportaram todos de volta para o começo dos anos 2000, dois verdadeiros hinos do hardcore, enquanto América Latina foi um momento que só pode ser descrito como catártico. Realmente não há como fazer jus à energia que circulava na hora apenas com palavras. 

Infect em SP

Estava chegando o fim, todos sabiam, mas ninguém queria confrontar essa realidade. A energia era tanta, que nem parecia que já haviam feito meia hora de show, podiam tocar o repertório todo mais 3 vezes que ninguém teria sentido o tempo passar. Fecharam com chave de ouro, Derrube os Muros e Classe Dominante, e o que reinava era uma sensação mista, oscilando entre uma felicidade palpável e aquela sensação de que o show havia sido curto. O Fabio do Paura disse durante o show e diversos fãs disseram na hora da saída, e faço de suas palavras as minhas: visto o sucesso desses shows de reunião, a Infect tinha que voltar. Estamos em uma situação, politicamente, socialmente, e até na própria cena, onde precisamos urgentemente de vozes como as delas. Um retorno de fato iria muito além de apenas nostalgia, mas ocuparia um espaço importante no cenário, não só por suas atitudes, mas também por sua experiência, pelo fato de serem verdadeiras veteranas. Que esse show seja o primeiro de muitos!


Agravo - setlist:


  1. Intro / 7 Palmos
  2. Podre Guerra
  3. Surra e porrada
  4. Laico/Perversa Idolatria
  5. Gasta Carcaça
  6. Raça
  7. Zumbi
  8. Fardo
  9. Morta
  10. A.C.A.B.
  11. Inédita (sem título definido)


Não conseguimos confirmar o setlist do Deserdados, aguardamos resposta da banda.


Paura - setlist:


  1. Intro
  2. Reverse the Flow
  3. Karmic Punishment
  4. In the Desert of Ignorance
  5. Unleashing Hell/Burning the Flags
  6. No Hard Feelings? Fuck You!
  7. Retaliate
  8. Urban Decay
  9. For Each Dead One/Scars of Life
  10. Level of Maturity
  11. Sailin’ On
  12. We Won’t Be Sold
  13. History Bleeds


Infect - setlist:


  1. Cansadas do Ódio
  2. Todas Temos
  3. Irmãs
  4. Lágrimas de Desgosto
  5. Condicionado
  6. Sendo Fogo
  7. Puta
  8. Divisão de Tarefas
  9. Família Nuclear
  10. Indeléveis
  11. Nesse Jogo Você Deve Roubar
  12. Assassino
  13. América Latina
  14. Derrube os Muros
  15. Classe Dominante

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