Grave Digger (SP)

Texto por: Rato de Show

Fotos por: Lucas Camargo

Agradecimentos: Opus Entreterimento


Na última sexta-feira (14), São Paulo foi palco de uma verdadeira celebração de quase meio século dedicado ao puro heavy metal alemão. Originário do velho continente e com uma conexão forte com o verde e amarelo há quase trinta anos, desde sua primeira vinda em 97, o Grave Digger é uma verdadeira instituição do metal por manter viva a chama com muita tradição e vitalidade.


Contrário ao que se esperaria do passar do tempo e continuamente pisando no acelerador, a banda liderada por Chris Boltendahl celebra, no ano de 2025, quarenta e cinco anos de existência — e o faz esbanjando intenção com a chegada de seu 22º álbum de estúdio, Bone Collector, lançado em janeiro deste ano.


O álbum e a data comemorativa impulsionaram uma extensa turnê nos últimos meses, que não poderia deixar de fora a América Latina, tendo passado pelo Brasil em novembro em três datas entre Sul e Sudeste para o assoprar de velas do ceifeiro. Em São Paulo, o local da festa no convite foi o Carioca Club, tendo ainda a banda nacional Just Heroes para complementar a noite.


A abertura das portas ocorreu por volta das 19h, onde já era possível sentir a energia e a antecipação do público presente pela fila, do que podemos chamar talvez de a “velha guarda” do metal, ainda que tendo entre as cabeças algumas que ainda não viram despontar os primeiros fios brancos. Uma vez dentro, a casa ainda se colocava tímida, com poucas pessoas espalhadas em seu interior, algo justificável, principalmente pelo cronograma um pouco mais tarde talvez do que o habitual para o headbanger paulista.


Foi por volta das 20h30 que as cortinas se abriram para dissipar um pouco da energia errática do set que rolava pelo PA. Ainda que composto por grandes clássicos da música — como Bon Jovi  ou Guns  —, o som não encaixava tão bem com a proposta da noite, ainda que deixando alguns dos metaleiros mais “raiz” contendo o impulso de bater cabeça ao som de músicas que jamais admitiriam gostar na frente dos próprios pares.


Entrava então o quinteto mais que energético da Just Heroes, nova banda da cena paulista que, apesar de infante, de “novata”, não tinha nada. Isso porque, composta por músicos experientes, com Fábio Cavalcante (baixo), Marcus Castellani (bateria), Flavio Souza Jr. (guitarra), Wander Cunha (guitarra) e Mr. Machine (vocal), o grupo formado em 2022 chegava com uma identidade visual muito bem definida, onde não era preciso dizer nada para sentir aquela ideia de “se preparem para um heavy metal old school”.

just heroes em SP

Dito e feito, principalmente na figura de Mr. Machine, com aquela energia (e visual) à la Rob Halford  dos anos 80, que somada às presenças de Wander e Flavio  — ambos integrantes da Hellpatrol, tributo ao Judas Priest — denunciava que seríamos expostos a riffs rápidos, voz marcante e muita bateção de cabeça.


Curiosa, no entanto, a quebra de expectativa ao iniciarem com Heroes, música mais lenta, dramática e encorpada que, com o peso das guitarras bem metalizadas e distorcidas, criava aquele tempo mais arrastado e que, somado à crescente força vocal de Mr. Machine, impressionava a cada segundo, trazendo aquele ditado de “nunca julgue o livro pela capa” à cabeça.


Angels Deserve to Live veio na sequência, acelerando as coisas e aquecendo cada vez mais o público. Destaque para Marcus, que mesmo antes da entrada efetiva da banda já chamava atenção pelo tamanho da bateria — maior inclusive que a dos headliners — naquele estilo meio PsychOctopus que ocupava uma boa fatia do espaço de palco. Sorte para quem o conhecia e mais sorte ainda para quem não, para se surpreender com a habilidade frenética, rápida e rítmica de alguém que já ocupou as baquetas do Manowar e que certamente sabia preencher cada centímetro do instrumento.

just heroes em SP

Seguiram com Forever in My Heart e Vital Signs, ambas inéditas e bem recebidas, com muita melodia e narrativa, sempre despontando em um solo mais rápido e vigoroso, ora de Flavio, ora de Wander, que se complementavam bem, com Fábio não só proporcionando o vocal de apoio, mas aparecendo muito na missão de segurar o ritmo junto a Marcus  para deixar os riffs viajarem.


O restante do set apresentou ainda aquele bom e velho metal chiclete, com músicas e refrões que grudam na cabeça e que faziam o público acompanhar rapidamente, mesmo que fosse a primeira vez os ouvindo. Neste sentido, Mr. Machine fez um ótimo trabalho não só energizando o público com sua voz potente — um tom mais grave que ocupava bem o ar nos momentos mais limpos até o potente agudo anasalado — mas sempre dividindo o palco com os companheiros, equilibrando bem os holofotes.


Fecharam ainda com uma surpresa que caiu como uma luva para o momento e para a estética: Breaking the Law, digno tributo que, mesmo quem não teria gostado da apresentação (se é que houve alguém), faria os lábios se moverem contra a vontade para acompanhar um dos maiores clássicos do heavy metal.


Algo legal de se mencionar por fim está na clara dedicação e intencionalidade dos músicos, fosse na identidade visual presente em adesivos, patches, munhequeiras e até nas cores das roupas, que mostravam esse “vestir a camisa” de quem acredita, vive e respira o próprio projeto — e que não me surpreenderia se daqui em diante passasse a se tornar um rosto cada vez mais visto pela cena underground.

just heroes em SP

Energias calibradas, o público esperava ansiosamente até a chegada das 22h, horário programado para a subida do Grave Digger ao palco. A cada minuto passado, o fluxo de pessoas entrando pelo Carioca apenas aumentava, saindo de um tímido aglomerado a um farto preenchimento em aguardo ao Digger.


Foi então que entraram Marcus Kniep (bateria), Tobias Kersting (guitarra), Jens Becker (baixo), onde a essa altura o público já ia à loucura em gritos de “Olê, olê, olê, olê, Digger, Digger”, até a derradeira entrada de Chris Boltendahl para um início já eletrizante com a pedrada Twilight of the Gods, do clássico Rheingold (2003), música que por si só define muito bem a sonoridade do Grave Digger: guitarras hipnotizantes com riffs rápidos, uma bateria bem ritmada, um baixo mais discreto, mas sempre presente, dando peso principalmente nas pontes e momentos mais calmos antes de acelerar, uma orquestração épica e grandiosa e, é claro, a inconfundível, magnética e carregada voz de Chris, que dispensa comentários e dá vida a letras sobre magia e fantasia — sempre cativantes, grudentas e de fácil assimilação.


Essa, ao meu ver, sempre foi uma característica única do Grave Digger, a de ser capaz de criar músicas que se conectam imediatamente ao ouvinte, onde sutileza e simplicidade não podem ser enxergadas como uma “tarefa fácil” e que geram melodias que fixam, que não precisam ser excessivamente complexas para serem divertidas, energizadas e te fazerem acordar no dia seguinte assobiando seus ritmos.


O resultado? Uma multidão gritando a plenos pulmões, fosse o refrão, fosse o som da guitarra em “ôÔôÔôs” o tempo todo. Foram ainda mais longe com The Grave Dancer, do álbum Heart of Darkness (1995), outro clássico atemporal que parecia exigir de Chris  um esforço mínimo para ter o público completamente em suas mãos.


Outro destaque, já desde o início, ficava pelo “novato” Tobias, que assumiu as guitarras do “Reaper” desde a saída de Axel Ritt — uma outra persona inconfundível na história da banda — e que foi muito bem recebido pelos fãs. Ele tinha uma energia própria, gostosa de ver, que contrário de seu predecessor, sempre expansivo e teatral, a energia de Tobi  é selvagem à sua própria forma, porém contida, onde parecia se entregar ao instrumento com naturalidade, sempre rapidamente interagindo com o público, mas totalmente focado em seus riffs e com aquele “vício” de murmurar as melodias à medida que as tocava — o que não só era bonito de se ver, como servia de combustível para o público acompanhá-lo.

grave digger em SP

Seguiram com Kingdom of Skulls, primeira do Bone Collector (2025), que faz jus e se mantém bem dentro da sonoridade característica da banda, mas que, quando posta ao lado de um acervo tão poderoso e com mais joias talvez que a montanha de tesouros de Smaug, fica ligeiramente para trás. Under My Flag, de The Reaper (1993), foi uma música ressuscitada nesta turnê — e que, antes do ano passado, não via os palcos desde 2005 — trazendo aquela energia heavy metal menos folclórica e mais “moto no asfalto”, se é que me entendem.


Tivemos então uma sequência simplesmente de tirar o fôlego com Valhalla, The Keeper of the Holy Grail, The Dark of the Sun e The Curse of Jacques, mantendo essa energia da fase anos 90 e começo dos anos 2000 do Digger, que traz hit atrás de hit entre diferentes ritmos, do mais lento ao mais rápido; e aquela distorção de guitarra que se tornava um desafio ao público entre cantar a plenos pulmões e tirar um tempo para respirar. A cara de satisfação de Chris era impagável, onde o mesmo não só demonstrava seu carinho e agradecimento através das palavras e gestos, mas fazia questão de interagir com o público entre apontadas, fist bumps ou sentando em alguns momentos entre os retornos, encarando profundamente a plateia enquanto performava.


Sempre parecendo reconhecer alguém na pista, abrindo um sorriso e acenando, mais parecia uma grande festa em família do que uma reunião entre “estranhos”.


Shadows of a Moonless Night, The Round Table (Forever) e Excalibur colocaram o Carioca Club simplesmente abaixo, mantendo a crescente da sequência de músicas, com aquele drama e carga das músicas do Reaper que tornam os shows uma experiência catártica, pela sinergia entre banda e público e pelo coro de vozes que vai se sobrepondo, importando os contos e histórias do antigo continente até as nossas terras.


A dada altura, Chris reforçou aos presentes: “Uma guitarra, um baixo, uma bateria e um vocal… Nada de playback, apenas o mais puro e tradicional heavy metal”. E, realmente, é indescritível essa simplicidade musical, que parece cada vez mais efêmera nos dias de hoje, em que se associa música à necessidade de grandes efeitos e uma megalomania voltada ao “espetáculo”. São em momentos como esse, com um simples backdrop, um grupo enxuto, porém vivo, que a magia realmente acontece.

grave digger em SP

Continuaram com The Devil’s Serenade, outra do novo álbum, antes de literalmente voltarem às raízes com Back to the Roots, de Symphony of Death (1994), antecedendo talvez a epítome de um show do Grave Digger, que é o prazer de ouvir ao vivo Rebellion (The Clans Are Marching), onde os inconfundíveis riffs, o coro de vozes e as palmas são tanto que nem a gaita de fole programada rompe a magia do campo de batalha.


E não deixe a idade lhe enganar: a voz de Chris Boltendahl parece mais viva do que nunca — seja no grave ou no agudo, no drama dos interlúdios ou no fogo da velocidade dos refrões — o homem realmente parece querer ainda ir mais longe. Algo inclusive dito por ele mesmo: que o Grave Digger está muito longe de seu fim.


Naquele esquema de “Goodbye São Paulo”, como se não fosse ter bis, não tardou para que, ao som do coro da plateia, o quarteto retornasse para arrancar mais uma vez até o último centímetro de energia do público ao trazer Scotland United, Circle of Witches, Witch Hunter e, a que nunca pode faltar, Heavy Metal Breakdown.


Literalmente breaking down tudo, o derradeiro fim do show finalizou a performance assim como começou: com a energia lá no alto, ao incessante coro do público e em uma grande masterclass de simpatia e de bom e velho heavy metal. Uma pena, somente, a ausência de teclados ao vivo no show — onde, mesmo que tenhamos a presença de Marcus, quem cumpre essa função nas gravações de estúdio, realmente parece faltar um pouquinho dessa magia orquestrativa, principalmente para os mais saudosistas que viveram a época em que o próprio Reaper fazia jornada dupla, deixando de lado o trabalho de ceifar vidas para assumir as teclas.


A euforia e alegria conjunta proporcionadas pela apresentação mostraram sim uma banda super na ativa, que parece disposta a continuar entregando com excelência toda essa sonoridade característica que há quarenta e cinco anos continua a converter fiéis ao redor do globo. Porém, não se enganem: apesar da vitalidade, o cansaço também parece começar a se manifestar com maior força, revelando que o capítulo do outono final da banda pode ter se iniciado — e que agora, dure pelo tempo que durar, devemos agradecer e apreciar cada segundo das oportunidades futuras, pois até o manto sombrio do ceifeiro um dia irá repousar para sempre.

Grave Digger em São Paulo

Just Heroes - setlist:

  1. Heroes
  2. Angels Deserve to Live
  3. Forever in My Heart (live debut)
  4. Vital Signs (live debut)
  5. Hurts Like Fire
  6. Survivor of Hate
  7. You Will Never Heal (live debut)
  8. Horsepower
  9. Breaking the Law (Judas Priest cover)

Grave Digger - setlist:

  1. Twilight of the Gods
  2. The Grave Dancer
  3. Kingdom of Skulls
  4. Under My Flag
  5. Valhalla
  6. The Keeper of the Holy Grail
  7. The Dark of the Sun
  8. The Curse of Jacques
  9. Shadows of a Moonless Night
  10. The Round Table (Forever)
  11. Excalibur
  12. The Devils Serenade
  13. Back to the Roots
  14. Rebellion (The Clans Are Marching)
  15. Scotland United
  16. Circle of Witches
  17. Witch Hunter
  18. Heavy Metal Breakdown

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