Exodus (SP)
Texto por: Rato de Show
Fotos por: Andre Santos
Agradecimentos: CKConcerts, Livinstage, Honor Sounds e Frank Comunicações
Em tempos de tensão social, estresse acumulado e uma vida que mais parece servir para pagar as contas, poucos são os momentos de verdadeiro descanso e desconexão de um mundo cada dia mais conectado. E ainda que existam diversos subterfúgios para enuviar a mente, ouso dizer que poucos parecem ter um efeito tão potente e recompensador quanto um bom e velho bate-cabeça.
Talvez um reflexo, inclusive, do porquê de vivermos um dos maiores “booms” do setor de shows, com nomes que antes, tão distantes, parecem agora fazer do Brasil e da América Latina um destino frequente. Marketing de lado, a verdade é que a música conecta, instiga e provoca, seja num grande estádio ou naquela casa underground com poucas dúzias de cabeças fiéis.
E quando esses elementos se somam a marcos históricos, normalmente o resultado obtido é de momentos que prometem reverberar pelo tempo restante em terra. Este foi o caso desde que a
LivinStage e a
CKConcerts, em parceria com a
Honor Sounds e a
Roadie Crew, anunciaram, próximo ao fim de julho, o retorno do
Exodus ao país para a comemoração dos 40 anos do lendário
Bonded by Blood. Um álbum e uma banda que, para qualquer apreciador de thrash metal, dispensam quaisquer tipos de comentários.
Uma oportunidade de celebração junto a uma banda que, mesmo já tendo em seu carimbo uma sequencial entrada ao Brasil nos últimos anos — a última, no ano passado, no até então Summer Breeze Brasil —, retornava não só em festa pelo debut quadragenário, mas pela volta de um de seus mais marcantes frontmen, Rob Dukes, que retornava à formação composta por Tom Hunting (bateria), Gary Holt (guitarra), Jack Gibson (baixo) e Lee Altus (guitarra), após 11 anos desde sua saída, em 2014.
Do anúncio até o último dia 9 de outubro, data selada para o assoprar de velas que ocorreu exclusivamente em São Paulo, no Carioca Club, os dias pareceram passar em um piscar de olhos — tão rápidos quanto os ingressos, esvaídos e muito próximos ao sold-out. Algo refletido na extensa fila que se formou do lado de fora em pura antecipação, dos mais veteranos membros da cena aos que se colocavam ali para seu primeiro show.
Em um recém-reformulado Carioca, nem a folga ganha com sua nova extensão lateral foi suficiente para mascarar o quão rapidamente a casa se encheu, em aguardo para o início da noite. Início esse que se deu por volta das 20h30, com os paulistanos da Throw Me To The Wolves como os responsáveis por abrir os trabalhos.
Banda recém-saída do forno e que, este ano, estreou com seu álbum Days of Retribution, o grupo formado por experientes músicos vem, desde o início do ano, se provando em contínuas aparições em shows e festivais, sempre deixando sua marca e aumentando sua alcateia.
Trazendo um death metal melódico alinhado com a escola de Gotemburgo, a trinca inaugural com Chaos, Tartarus e a autointitulada Days of Retribution chegava ecoando pela casa com o som explosivo e melodioso do quinteto. Entre os guturais potentes e primordiais de Diogo Nunes e as batidas frenéticas do pedal duplo de Maycon Avelino, era possível ouvir um “caramba” ou um “eita porr#” vindo das primeiras reações do público.
Parecendo cada vez mais cair no gosto dos presentes, vide as cabeças que iam de cima abaixo, foi em Fragments, com as guitarras mais rápidas e frenéticas de Gui Calegari e do estreante Fabrício Fernandes, que o público aumentou sua reação, inaugurando a primeira roda da noite e mostrando que, em uma boa festa trasher, a velocidade é imperativa.
Awakening My Demons, Gates of Oblivion e An Hour of Wolves mantiveram a cadência, entre guitarras dobradas e solos hipnotizantes. Destaque também para Fábio Fulini, assumindo os baixos temporariamente, mas já deixando sua marca através de uma performance que não era necessariamente extrovertida no sentido de se dirigir ao público, mas que, ainda assim, parecia se conectar com ele pela expressão de satisfação com a qual tocava.
Conexão essa que tinha em Calegari, por outro lado, alguém constantemente animando o público, não só em seus riffs, mas em gritos junto a Diogo, que a todo momento mostrava não só seu ânimo ao energizar o público, como deixava claro o peso da noite para o grupo.
Gaia
fechou a participação da banda, sendo um momento já tipicamente interessante em que o grupo mescla a apresentação dos membros com as primeiras e progressivas notas dessa marcante música. Uma ocasião em que, curiosamente,
Fabrício tomou a oportunidade de já deixar sua marca ao brincar com as primeiras notas, deixando mais a sua cara — algo certamente refrescante para quem já tenha visto a banda anteriormente.
Ainda que trazendo uma proposta ligeiramente distinta dos headliners, a presença da Throw Me To The Wolves pareceu ter passado positivamente pelo público, entre um deixar sua presença ser sentida e apreciada durante tempo suficiente para que, ao término, você conseguisse ouvir um “nossa, mas já?”.
Dali em diante, a antecipação apenas cresceu, quando, próximo das 21h, uma aguda e ardida voz começou a se sobressair aos gritos dos fãs que já começavam a escalar pelo espaço. Era justamente Rob Dukes, aquecendo o público conforme brincava e provocava as pessoas na iminência da entrada da banda.
Foi então que, aos poucos, apareciam Hunting, Altus, Holt, Dukes e Steve Brogden — guitar tech do Exodus — que cobriu a função de Gibson devido a uma emergência familiar que fizera o músico retornar para casa em meio à turnê, como previamente anunciado pelas redes sociais. No rosto dos músicos, expressões de quem estava pronto para quebrar toda a tensão que pairava no ar — o que se materializou em Bonded by Blood, faixa homônima que inaugura o disco e também a noite.
Se só com a entrada do grupo a sensação de aglomeração parecia ter atingido seu pico, ao tocar dos primeiros acordes a impressão foi a de estar dentro de uma embalagem a vácuo. O lego humano que passou a se formar tinha como “culpado” a imensa roda que aos poucos ia se expandindo, como um furacão de larga escala que tomava forma até atingir seu potencial máximo de destruição.
Daquele ponto em diante, o Carioca Club se transformou em um espaço de puro e total caos organizado, orquestrado pelo quinteto, com destaque imediato para a imponente figura de Rob Dukes, que se projetava para a frente do palco, com todo seu corpanzil e um rosto que, para além das letras das músicas, parecia dizer algo como: “Cuidem uns dos outros, mas quebrem tudo”.
Seguiram até Metal Command na exata ordem do álbum, onde a selvageria coletiva e a energia presente são de difícil descrição. Do lado do público, fora as constantes rodas (provocadas a todo momento por Dukes), “surfistas” se faziam presentes como em poucos eventos é possível ver, entre adultos, jovens e até crianças; homens, mulheres e todos aqueles que se permitiam viver o momento. Aos mais “comedidos”, restava pular, gritar, jogar os chifres com a mão e bater a cabeça o mais rápido possível — uma afronta à ciência, ao tentar provar que dois corpos podem, sim, ocupar um mesmo espaço.
Já do lado dos músicos, era nítida a felicidade e energia, mas também a presença — e não digo “somente” a de palco —, mas uma em que se sentia, no olhar de cada um, que eles observavam sua plateia, nos faziam sentir vistos, e essa distinta sinergia parecia retornar no maior festival de riffs rápidos e insanos, juntamente às batidas frenéticas e incessantes da bateria, produzidas por um ser humano que ninguém diria estar no auge dos seus sessenta anos, muito menos ter passado por um câncer em tempos recentes.
Mas, novamente (e arriscando soar repetitivo), devo reforçar o quanto
Dukes
parecia a estrela da noite: encarando os fãs nos olhos, mostrando toda a brutalidade e agressividade de suas expressões, com uma voz curtida como vinho, passando toda aquela energia do thrash da Bay Area, que é inegável em suas referências ao punk e ao hardcore, tanto em sonoridade quanto em atitude. Houve também espaço para vulnerabilidade, como em
Lesson in Violence, em que foi mencionado o saudoso
Paul Baloff, falecido em 2002, reforçando o quanto aquela comemoração era também em sua homenagem.
Como toda boa comemoração, não é uma sem uma dose de surpresas, e tivemos uma sequência delas, com Iconoclasm estreando na turnê, quando Brogden sutilmente pegava sua cerveja e saía do palco, à medida que Gerson Polo, baixista da Funeral Blood — banda brasileira tributo ao Exodus —, assumia. Simplesmente a maior recompensa que uma banda poderia oferecer a um fã. Nesse ritmo, tivemos ainda o hino Blacklist, junto a outra estreia da turnê, com Fabulous Disaster, em que, à medida que essas músicas iam surgindo, pareciam impulsionar ainda mais a fricção gerada pelo ventilador humano que girava incessantemente, resultando na transformação da casa em uma sauna.
Essa catarse coletiva foi guiada com atenção — e até preocupação — pelos músicos, como foi o caso de Lee e Dukes perceberem a dificuldade que a segurança tinha em receber os surfistas, pedindo por apoio e chegando a ajudar alguns em determinados momentos, o que resultou em surfistas subindo ao palco e já emendando alucinados stage divings. É importante notar que havia uma grade separando o público do palco, o que tornou a visão uma mistura de receio de queda e da excitação de ver a massa de pessoas que bem recebia seus “heróis” que planavam momentaneamente.
Entre as poucas pausas tidas para uma rápida água ou cerveja (com direito a alguns copos servidos aos fãs) e interação com o público, Dukes fez aquela puxadinha de voz para se cantar junto — bem à la Freddie Mercury —, neste caso, Thrashie Mercury, que roubava a cena e mostrava todo o carisma e bom humor do vocalista.
Tivemos também um rápido descanso, com um sorridente Gary Holt tocando os primeiros e tranquilos acordes de No Love, o mais próximo de um respiro antes da continuidade do choque de adrenalina com Deliver Us to Evil, que trouxe o já descansado Brogden, e Piranha, que contou ainda com a participação do vocalista da Funeral Blood, Fabio Sterval, deixando claro o reconhecimento, carinho e apreço da banda pelos músicos.
Saindo novamente da rota de aniversário, Brain Dead e Impaler vieram com força total e, quando parecia que o público estava finalmente mostrando os primeiros sinais de cansaço, The Toxic Waltz chegou, potencializado por um provocativo Gary Holt tocando os primeiros riffs de Raining Blood e Motorbreath, gerando surpresa, tensão e sobrevida ao público antes da destruição causada pela aula de como se deve dançar a valsa tóxica.
Um improvisado coro de “Olê, olê, olê’s” tomou conta junto do início de Strike of the Beast, música que encerra não só o álbum, mas também a imaculada noite. Simplesmente o melhor que a entropia entre o choque de corpos poderia oferecer, resultando na mais brutal wall of death, como se fosse a representação do assoprar de velas da noite.
Noite essa de um encontro de diferentes polos da faceta humana: entre a agressividade efervescente e a rebeldia catártica vista no público, nas rodas e na energia, ao olhar e presença dos músicos junto à impressionante técnica e também a seu lado mais delicado, atencioso e intencional — como o cuidado, tanto do público para com o público (em sua maioria) quanto da banda, interagindo incessantemente com os fãs e se preocupando com o nosso bem-estar.
Em especial, um momento final em que Lee Altus levou uma criança para cima do palco, repousando sua mão para ensinar o menino a tocar os acordes de sua guitarra que iriam encerrar o show — e que certamente vão continuar todo esse legado impresso nas memórias desse jovem e na do público — em um tipo de experiência que, como dito no início, só um bate-cabeça pode proporcionar.
Setlist - Throw Me To The Wolves
- Chaos
- Tartarus
- Days of Retribution
- Fragments
- Awakening My Demons
- Gates of Oblivion
- An Hour of Wolves
- Gaia
Setlist - Exodus
- Bonded by Blood
- Exodus
- And Then There Were None
- A Lesson in Violence
- Metal Command
- Iconoclasm
- Blacklist
- Fabulous Disaster
- No Love
- Deliver Us to Evil
- Piranha
- Brain Dead
- Impaler
- The Toxic Waltz
- Strike of the Beast










