Cobertura: Stryper (SP)

Texto por: Daniel Agapito (Chato de Show) - @dhpito

Fotos por: Nanda Arantes - @nanda_arantes


Antes de começar o texto, vale uma menção ao saudoso Frederico Batalha, jornalista, assessor de imprensa e comentarista esportivo que infelizmente nos deixou no começo do mês de julho. Fã assíduo do Stryper e torcedor roxo do São Paulo, que havia ganhado do Fluminense por 3 a 1 naquele mesmo dia, é inegável que se ainda estivesse conosco, estaria para lá de feliz. Fica aqui também nosso agradecimento à produção da Vênus Concerts e En Hakkore Records, além da assessoria da Tedesco Mídia e Acesso Music, pela confiança em nosso trabalho.

 

Todos nós já ouvimos de algum familiar, amigo, colega de trabalho, o que seja, que o metal e o rock são obra do coisa-ruim, que todos os artistas de sucesso do estilo venderam sua alma ao tinhoso, que todos iremos nos encontrar com o mochila de criança na hora do julgamento ou algo do tipo; não dá para fugir do famoso “rock é coisa do diabo.” Aqueles que proferem tais frases, claramente equivocadas, não fazem ideia da existência do rock cristão, que não, não se resume apenas à músicos convertidos como o Rodolfo Abrantes, mas sim bandas que tem uma sonoridade parecida com os grandes nomes do metal secular, um Iron Maiden, por exemplo, mas tratando dos mesmos temas em suas letras que a Aline Barros.

 

Dentro do chamado “white metal”, não existe banda maior, em termos de alcance, em termos de sucesso, e para muitos, em termos de qualidade, do que os californianos do Stryper, que conseguiram cultivar uma carreira de mais de 40 anos espalhando a palavra. Aqui no Brasil, sempre fizeram bastante sucesso, com seus álbuns sendo lançados em versões nacionais consistentemente desde seu auge nos anos 80 e 90, com sua música I Believe in You (do In God We Trust de 1988) tendo virado música tema da novela “O Salvador da Pátria”, exibida na Globo

Stryper em SP

O primeiro show dos guerreiros de preto e amarelo nas terras verde-amarelas veio apenas em 2006, depois que já haviam se separado e reformado, mas desde então, retornaram com certa frequência, pela segunda vez em 2011, terceira em 2013, fazendo uma dobradinha em 2014, voltando em 2019, nos trazendo aos dias de hoje, onde novamente agraciaram o país do futebol com sua presença, fazendo shows em 5 cidades, desta vez acompanhados de dois outros grandes nomes do rock cristão, os também americanos do Bride e os suecos do Narnia.

 

Após um pequeno atraso no horário da abertura das portas, o “culto de domingo” começaria justamente com o Bride, que acabou tocando com um espaço de palco bastante reduzido por conta da parede de amplificadores Marshall (cujo só um aparentava estar ligado) e bateria dos headliners já estando montadas, o que relegou os nativos do Kentucky a ficarem apertados na metade restante do espaço, com o baterista Alexandre Aposan (brasileiro, por sinal) tocando de lado no canto esquerdo, quase caindo. Mais ou menos 15 minutos depois do horário originalmente marcado, começaram os serviços com Rattlesnake, de seu álbum Snakes in the Playground (1992), o que já animou bem o público. Vale destacar aqui que a casa já estava bem cheia desde o começo, com a fila chegando a dobrar a rua antes da abertura. Seguindo a ordem do Snakes, vieram com Would You Die For Me, que trouxe um ar groovado, quase southern rock. 

Bride em SP

Continuando trazendo peso e cadência (e a volta do óculos de vilão steampunk de desenho animado do vocalista Dale Thompson) e contemplando o resto de sua discografia, veio Beast de seu álbum de 1994 e Million Miles, cartão de visita de seu ambicioso álbum duplo deste ano, Vipers and Shadows. Para uma música nova, recentemente testada nos palcos, foi muito bem recebida. Voltando aos clássicos, Everybody Knows My Name e Scarecrow mantiveram a energia lá no alto, reforçando não só a presença de palco incrível do vocalista, que engajou bem o público todo, mas também sua voz estratosférica, que mesmo com mais de 60 anos ainda atinge agudos estonteantes. Durante Scarecrow, Dale inclusive tirou uma pequena câmera do bolso para gravar sua própria performance.

 

Fecharam o show com chave de ouro, duas de suas maiores músicas, sendo a primeira a realmente genial Psychedelic Super Jesus. Apesar do título parecer uma versão traduzida de uma paródia do Hermes e Renato de algum filme do Edir Macedo, ela é um dos hinos do hard rock cristão, soando como um Guns n Roses crente com mais peso. Realmente presenteando aqueles fãs que acompanham a banda há bastante tempo, fecharam com Heroes, do segundo álbum, Live to Die, música que esteve ausente de seus setlists há um bom tempo, de acordo com o setlist.fm.

Bride em SP

Menos de dois minutos depois do término do show do Bride, membros do Narnia já subiram no palco (ainda reduzido) para montar seus equipamentos, levando o público à loucura. O show só começaria “pra valer” 20 minutos depois, quando os triunfais acordes de guitarra e teclado de Rebel soariam pelo sistema de PA e Christian Liljegren entrou correndo e batendo palmas no maior estilo power metal, praticamente um Rob Halford soldado de cristo, mas sem a moto e sem o couro. Seu som mais puxado para o famoso “espadinha” era bem diferente do hard das outras duas bandas, mas não foi problema para os fãs, que os receberam calorosamente. Agradecendo a presença de todos e demonstrando sua felicidade, o vocalista, ao anunciar No More Shadows From the Past, perguntou se estavam prontos para “rock with Narnia and rock with Jesus Christ”. Comparados à banda anterior, o jeito que demonstraram sua fé era bem mais “na cara” (não que isso seja um problema).

Narnia em SP

Depois de todos pularem com a faixa de seu primeiro disco, Christian continuou, “vocês são um público incrível, mas o evento de hoje é sobre um rei só, o rei Jesus Cristo, e essa música é dedicada à ele, You Are the Air That I Breathe”. A próxima música não só foi dedicada à mesma figura, como também veio do mesmo álbum, From Darkness to Light (2019), MNFST, que de acordo com o frontman, era um manifesto para a banda mesmo. Deixando os fãs felizes, falou que já estavam com um disco novo “na cozinha” e que iriam fazer a estreia mundial de uma de suas músicas, sendo ela Ocean Wide, que realmente captura a essência do Narnia, não foge muito dos seus padrões.

 

Antes de dar sequência ao show, aproveitou para agradecer o Eliel, produtor que os trouxe ao Brasil, falando que nunca esqueceria sua primeira turnê por aqui, em 2017. Mostrando ainda mais sua conexão com o povo brasileiro, falou que o refrão da próxima seria cantada pela galera, em português, repetindo com eles: “vida longa ao rei”. Long Live the King realmente contou com ajuda do coro do VIP Station no último refrão, realmente dando aquele clima de missa, reforçado pelos fãs levantando as mãos junto do vocalista. As últimas duas mantiveram a energia lá no alto, sendo elas I Still Believe e Living Water, que viu Christian mostrar sua malemolência durante o solo e terminar a performance nos braços do próprio povo.

Narnia em SP

Os shows anteriores estavam com um atraso mínimo de 15 minutos em relação ao horário marcado, mas não foi o caso do Stryper, que assumiu o palco pontualmente às 20:00, ao som de In God We Trust. Agora podendo usar o espaço todo (mas a bateria do Robert Sweet esava montada de lado para o público, por alguma razão, talvez seja influência do grande Barata, do Test) os integrantes conseguiram se mexer e interagir mais com o público, que desde as primeiras notas estava completamente em êxtase. A formação era a mesma da última apresentação, tirando o guitarrista Oz Fox, que não pode acompanhar a banda por aconselhamento médico, sendo substituído por Howie Simon, que já havia assumido as 6 cordas da banda temporariamente em outros shows.

 

Passada Revelation, Michael Sweet fez questão de introduzir a banda de forma bem-humorada, mesmo sendo óbvio que todos que estavam lá os conheciam bem: “somos o Stryper, com Y, porque se fosse com I seria Stripper, e não somos strippers.” Ainda interagindo com o público, perguntou em inglês quem já havia visto-os em passagens anteriores, ficando surpreso com a timidez do público. Aproveitando a oportunidade, Howie perguntou: “quem não está entendendo o que ele tá falando?” tomando uma resposta rápida de Sweet: “aqui eles aprendem outras línguas, diferente de onde a gente mora.” Seguiram com Call On You, especial por vários motivos, mas também por ter chegado ao topo das paradas da MTV americana na época de lançamento. Chegando no final dela, emendaram logo outro sucesso, Free, que também vem logo depois no disco original, To Hell With the Devil. Não é surpresa ver bandas jogarem palhetas e baquetas para o público, e eles fizeram isso, mas foram além também, jogaram bíblias, o que devidamente levou o público à loucura.

Stryper em SP

Mike revelou estar um pouco doente, mas pediu para o público não se preocupar, pois seu irmão, o baterista, havia rezado por ele antes do show. Ajudados pela cantoria dos fãs, cantaram Sorry, seguida da “quase anos 80” All For One. Nos shows em outros países, estavam tocando a faixa-título de seu último álbum, When We Were Kings, mas desta vez, foi completamente ignorada, sem motivo aparente. Se tem um momento que nenhum show de hard rock escapa, white metal ou não, é a famosa baladinha, aquela música toda melosa para você ouvir ao lado daquela pessoa especial, e aquela noite não foi diferente, com a completamente anos 80 Always There For You, que poderia facilmente integrar um CD da Lovy Metal, ou um daqueles DVDs de 92 Clipes Românticos.

 

Antes de Divider, revelaram que iriam estar lançando mais um disco de natal, com o primeiro single sendo lançado na terça-feira seguinte (29/7). Depois de No Rest for the Wicked veio uma das “favoritas recentes” de Sweet, No More Hell to Pay, que teve que ser paralisada no meio e recomeçar 5 minutos depois por conta de falhas técnicas com a guitarra de Howie Simon. Até tentaram continuar, mas chegou uma hora que o próprio vocalista não aguentava mais o “barulho horrendo” que vinha dos amplificadores e decidiu parar a música. Assim que voltaram, continuaram normalmente, ainda passando pelas clássicas More Than a Man, com direito a pulinhos e coro do público, The Valley e Yahweh, que foi fechada com um grito de “olê, olê, olê, Stry-pêr, Stry-pêr. “Queria poder voltar aqui todo ano, a paixão que vocês têm pela música me impressiona toda vez”, disse Sweet.

Stryper em SP

Fecharam o primeiro bloco do show com uma dupla de Soldier Under Command (1985), Surrender e sua faixa-título, ambas recebidas calorosamente com muita cantoria dos fãs e uma energia realmente diferenciada da própria banda, que claramente queria entregar um final de show memorável para aqueles que estavam presentes. Depois fizeram aquela rotininha de sempre, falaram que amam todos e desceram do palco, mas os fãs logo voltaram a gritar “to hell, to hell”, ansiando para ouvir seu maior hit. Voltaram não depois de três dias, mas depois de 3 minutos com mais duas músicas, Sing-Along Song, que fez todos esperadamente ‘singarem along’, e é claro, To Hell With the Devil, que viu o bairro de Santo Amaro inteiro mandar o diabo para o inferno. Com aquele momento de catarse, a banda se despedia uma última vez, e desta vez para valer, dizendo que gostariam de voltar o mais rápido possível.

 

No geral, aquela noite serviu para mostrar bem a força do white metal no Brasil, não só reunindo 3 dos maiores nomes do gênero, mas também enchendo uma das maiores casas de show que recebe eventos do tipo em um dos maiores mercados do país. O show não foi livre de polêmicas, não só com o atraso para abrir, mas também com relatos de assaltos na saída e brigas na rua envolvendo o guitarrista substituto Howie Simon, mas até o presente momento, as informações são poucas. Mesmo assim, é inegável que aquela noite certamente entrará para a história da música religiosa no Brasil, firmando o rock mais uma vez como um estilo com apelo em massa, não só para as “capirotagens” e “satanagens” de sempre. Eu, por exemplo, só vi a casa mais cheia no show do Venom Inc. e do Possessed ano passado, outro extremo em relação às temáticas abordadas; uma reflexão interessante.

Stryper em SP

Setlist Bride


  1. Rattlesnake
  2. Would You Die for Me
  3. Beast
  4. A Million Miles
  5. Everybody Knows My Name
  6. Scarecrow
  7. Psychedelic Super Jesus
  8. Heroes

 

Setlist Narnia


  1. Rebel
  2. No More Shadows From the Past
  3. You Are the Air That I Breathe
  4. MNFST
  5. Ocean Wide
  6. Long Live the King
  7. I Still Believe
  8. Living Water


Setlist Stryper


  1. In God We Trust
  2. Revelation
  3. Calling on You
  4. Free
  5. Sorry
  6. All For One
  7. Always There for You
  8. Divider
  9. No Rest for the Wicked
  10. No More Hell to Pay
  11. More Than a Man
  12. The Valley
  13. Yahweh
  14. Surrender
  15. Soldiers Under Command
  16. Sing-Along Song
  17. To Hell With the Devil