Cachorro Louco 2 (SP)
Texto por: Heitor Lamana
Fotos por: Chato de Show (Daniel Agapito) - @dhpito
Agradecimentos: Mukeka di Rato
Na noite do último sábado, dia 04 de outubro, São Paulo recebeu a segunda edição do Cachorro Louco Fest, na veterana casa de shows Hangar 110. No lineup, três fortíssimos nomes do hardcore nacional transformaram o local em um verdadeiro pandemônio: os bragantinos do Leptospirose, os experientes brasilienses do D.F.C. e, como headliners, os músicos vila-velhenses do Mukeka Di Rato.
Com a casa bem cheia e um público fervorosamente engajado, o evento foi marcado por sua pontualidade e energia. Rodas e stage dives rolaram a torto e a direito, refletindo a excelente performance dos músicos e deixando o ambiente progressivamente mais enérgico e alvoroçado, fazendo jus ao nome do festival.
A casa abriu suas portas por volta das 19:00 e rapidamente começou a encher. Dando início aos trabalhos uma hora depois, subiram ao palco os membros do
Leptospirose. Formada em 2001 por Quique Brown (vocal e guitarra), Serginho (bateria) e Velhote (baixo e backing vocal), a banda originária de Bragança Paulista conquistou o público com sua animação e hardcore com pitadas de grind, influenciada por nomes como
Arrigo Barnabé
e
Frank Zappa. Os músicos não apenas iniciavam o evento, mas também a sua primeira turnê em dez anos — a
“Chega de Saudade Tour” —, com cerca de onze shows marcados para acontecerem ainda neste ano.

O grupo iniciou sua apresentação de forma triunfal com a bombástica “O Instrumental Desse Som Vai Pro I Shot Cyrus”, primeira música do álbum Aqua Mad Max, de 2011. O som estava perfeito, com destaque para o baixo de Velhote que, misturado aos outros instrumentos, ficava cada vez mais rico. Após algumas faixas e uma breve pausa para hidratação, a banda convidou o público que ainda estava tímido para se aproximar do palco. Deu certo; a plateia perdeu a vergonha e formaram-se as primeiras rodas (que só viriam a aumentar dali em diante).
Era patente a animação do trio em estar no palco, contagiando quem assistia. Somando isso ao excelente entrosamento entre eles, tem-se uma imbatível receita de sucesso. Ao todo, foram 36 minutos de puro frenesi que (com o perdão do clichê) passaram voando. Faixas como “Prometo Não Parir Pôneis”,
“Votação em Bloco por Capricho, Chama Bode Preto” e
“Eucalipto – Sal – Geladeira de Isopor – Surf” foram genuinamente hipnotizantes, beirando a psicodelia. A noite não tinha como ter começado melhor.
Passados menos de 20 minutos, às 21:00, as cortinas se abriam novamente e o D.F.C. chegava mais do que pronto para quebrar com tudo. No meio tempo entre as apresentações, o espaço encheu consideravelmente e a locomoção começava a mostrar sinais de engasgo.
Com muito bom humor, o vocalista e fundador da banda Túlio procurava desesperadamente seu microfone antes de começar o espetáculo, interagindo e brincando sobre o imprevisto. Resolvido o empecilho sem prejudicar o evento, o caos imperou ao ritmo de “Pau no Cu do Capitalismo em Posições Obscenas”. Daí em diante, doses cavalares de violência foram injetadas nos moshpits, que atingiam níveis de agressividade inéditos.
Preocupados com a qualidade do áudio (que estava ótima, sem defeitos por sinal), os músicos checavam os equipamentos enquanto o vocalista perguntava se o som estava
“Macio ou violento igual a luta do Popó e do Wanderlei?”. Aproveitaram a deixa para tocar a faixa
“Porrada de Rua”, do álbum
Sequência Animalesca de Bicudas e Giratórias, de 2014. Após
“Inferno na Terra” do split de 2007 de mesmo nome e “Todos eles te odeiam”, surgiu um pedido de baqueta por parte de uma fã encostada no palco. Novamente com muito bom humor,
Túlio
respondeu algo como
“Depois do show a gente entrega a baqueta porque se tiver que tocar com uma baqueta só vira show do Def Leppard”, arrancando risos da casa. Depois de
“Venom” e
“Conversa pra Boy Dormir”, a banda convidou a todos a invadirem o palco para fazerem stage dive;
“O palco é de vocês, fiquem à vontade gente!” comentou o vocalista. O resultado? Pessoas voaram o tempo inteiro.

Mesmo em meio ao quebra-pau, o clima era tão cômico e fraterno que levou
Túlio
a comentar
“Isso daqui ta parecendo aqueles stand up comedy, né?”. No decorrer de outra menção à luta de
Popó
e
Wanderlei Silva, o vocalista divertia a audiência, comentando sobre os assuntos da semana entre as canções, incluindo a atual crise do metanol, para o desespero dos mais etílicos.
Acompanhado de Leonardo (baixo), Fabricio (bateria) e Miguel (guitarra), o grupo ainda presenteou a plateia com faixas ácidas e críticas como “Franchising” (do álbum Igreja Quadrangular do Triângulo Redondo, de 1996) e “Petróleo Maldito” (lançado em um split de 2003), consolidando um show que misturou violência controlada, humor e hardcore de altíssimo nível.
Sem tempo para descanso, ainda que os moshpits do D.F.C. já tivessem elevado o tom de selvageria da noite, as cenas que viriam a seguir levaram a fúria a outro patamar. Por volta das 22:00, os headliners do Mukeka Di Rato assumiram o controle do front. Se no início da apresentação anterior já era difícil de se locomover, agora a casa estava abarrotada e intransponível, com uma maré de seres humanos ávidos por violência sonora.
A ocasião era pra lá de especial. Completando 30 anos de carreira neste ano, o grupo formado por Ferpas (vocal e guitarra), Paulista (guitarra e vocal), Mozine (baixo e vocal) e Brek (bateria) abriu seu set com as três primeiras faixas do seu mais novo álbum - Generais de Fralda - lançado também neste ano. “Generais de Fralda”, “Predadores” e “Se Droga Brasil” transformaram o Hangar 110 em pura guerra. As rodas atingiam proporções descomunais e não tinham mais limites. Latinhas de cerveja voaram uma ou duas vezes e muitos subiram as escadas para se abrigar no camarote como se estivessem fugindo de um desastre natural.
A melhor e única analogia possível da cena é daquelas brigas de desenhos animados onde uma nuvem de poeira sobe e só se enxergam braços e pernas saindo dela. O clima anterior, ainda que violento, mas descontraído, agora era catabolizado em adrenalina e brutalidade, potencializado pelos três vocais da banda. Faixas como “Cobra Criada”,
“Globo da Morte” e a clássica “Cachaça” levaram o público à loucura, talvez um pouco literalmente demais. “Engenho de Sangue”, música do mais recente trabalho do quarteto e baseada na obra-mor do pai da sociologia brasileira e ex-senador
Darcy Ribeiro, também foi um dos grandes destaques do repertório.

A todo instante, fãs ensandecidos subiam no palco e, por vezes, cantavam com a banda. “Rinha de Magnata” do álbum Carne, de 2007, extasiou os ouvintes, que acompanhavam a letra em coro do começo ao fim. A sequência de músicas já vinha em ritmo acelerado quando Mozine anunciou que iriam tocar mais quatro em rápida sucessão (para desespero deste que vos fala que tentava angustiadamente anotar os nomes no celular). Foi aí que vieram “Tá Fácil Morrer, Tá Facil Matar”, “Facada”, “Você é Você” e, por último, “Eta Fogo!”, simplesmente secas e bestiais. Por fim, fecharam o set principal com o reggae “Desgraça Capixaba”, elencando e denunciando as mazelas que afligem o Espírito Santo e o Brasil como um todo.
Embora já tivessem tocado 27 músicas, trouxeram no bis “Praia da Bosta”, “Mente Positiva”, “Pasqualin na Terra dos Chupa Cabras” e, refletindo a atmosfera do ambiente, a faixa “Destruição Fatal”. Totalizando 31 músicas, sendo 9 destas do último e nono álbum da banda (coincidência para o deleite dos holísticos), o show reafirmou o legado do grupo como um dos maiores nomes do hardcore nacional, levando todos os presentes à exaustão e encerrando o festival com maestria.
Perfeita em toda sua extensão, a segunda edição do Cachorro Louco Fest trouxe o que há de melhor na cena do hardcore em apresentações absolutamente impecáveis na casa do punk de São Paulo. Em um ambiente espontâneo, singelo e, acima de tudo, exemplarmente pontual, os fãs foram presenteados com uma celebração autêntica e inesquecível, provando que o Cachorro Louco Fest é um marco obrigatório no underground nacional.

Setlist Leptospirose
- O Instrumental Desse Som Vai Pro I Shot Cyrus
- Tatuagem de Coqueiro
- Política
- TV Mind and Explosion
- Cascada
- Chá É o Que Há!
- Fuck Your
- M. Grande
- Pônei
- Frevo
- Dodecafo
- Diminuto
- V. Baixo
- Aqua Mad Max
- Robertão Fez o Riff Desse Som
- Saboth
- Katia
- Votação em Bloco por Capricho, Chama Beode Preto
- Não Identificada - Motosierra cover
- Gui Loucão
- Em Maio Todo Mundo Janta Pipoca Na Minha Cidade
- Eucalípto - Sal - Geladeira de Isopor - Surf
- Não Identificada - Nova música
- Small
Não conseguimos confirmar o setlist do D.F.C., aguardamos resposta da banda.
Setlist Mukeka di Rato
- Generais de Fralda
- Predadores Armados
- Se Droga, Brasil!
- Mickey
- Cobra Criada
- Minha Escolinha
- Globo da Morte
- Luzia
- Coração Sapato
- Quer Ir? Vai!
- José é Mau!
- Nazi Tolices
- Maconha
- Frações, Refrações e Proporções
- Cachaça
- Milico
- Viva! A Televisão!
- Engenho De Sangue
- Filho da Rua
- Só capeta cuspindo Fogo
- Corre
- Sei que você não gosta de Fã
- Rinha de magnata
- Humano Fracasso
- Tá Fácil Morrer, Tá Fácil Matar / Facada / Você é Você! / Eta Fogo!
- Último dia de Guerra
Encore:
27. Desgraça Capixaba
28. Praia da Bosta
29. Mente Positiva
30. Pasqualin na Terra do Chupa Cabras
31. Destruição Fatal