Avantasia (SP)

Texto por: Rato de Show

Fotos por: Bárbara Matos

Agradecimentos: Rider2 e Frank Comunicações


Muito se fala do fenômeno do “Come to Brazil” que vem ocorrendo nos últimos anos, com o crescente fluxo de bandas internacionais dos mais diferentes portes que atracam em nossas terras para proporcionar momentos musicais para seus públicos. Muito se atribui também essa conquista ao comportamento quase obsessivo do fã médio que enche as publicações de suas bandas favoritas com o conhecido comentário “Venha para o Brasil!”, mas pouco se fala, talvez, da conversa de bastidores que certamente rola entre as bandas, dos relatos daqueles já mais habituados com a América Latina como um todo e do quanto esses artistas promovem também a palavra e a paixão do sangue latino.


Certamente, um país que musicalmente falando sempre criou boas e longevas relações com o Brasil — especialmente dentro da cena do metal — é a Alemanha, trazendo diversos subgêneros e os mais aclamados nomes ao longo das últimas décadas. Nomes como Helloween, Grave Digger e Blind Guardian já pisam em nossas terras há muito, e certamente outro nome que tem no Brasil quase que uma segunda casa está na pessoa de Tobias Sammet.


De sua primeira vinda com o Edguy em 2002 no Direct TV Music Hall (posteriormente Citibank Hall), até a sua mais recente, este ano no Bangers Open Air com o Avantasia, são 23 anos proporcionando ao brasileiro o mais puro suco do metal alemão. Em seu mix entre o power metal, com um quê de hard rock, e a grandiosidade dos arranjos de seu opera metal, Sammet apresenta uma experiência que dispensa comentários — mas que, pelos últimos seis anos, trouxe também um mix de emoções entre os fãs: tendo os dois últimos shows sendo realizados em festivais (Bangers em 2025 e Summer Breeze em 2023), o fã mais ávido sentia a fome de um show solo, mais longo e dedicado.


Especialmente devido à promoção de seu mais recente trabalho, Here Be Dragons, 10º álbum de estúdio que chegou em fevereiro, pareceria que mais uma vez o espetáculo seria reduzido, ainda que grandioso, até que “Tobi”, como os fãs carinhosamente o chamam, surpreendeu a todos com um anúncio por meados de junho do retorno do Avantasia ao Brasil para matar aquele gostinho de quero mais que ficou no semblante de todos.


Tendo o Vibra São Paulo como escolha de palco para tal momento, parecia uma combinação feita nos céus a escolha de uma casa tão teatral para uma produção tão dramática. Esse par ideal teve seu resultado em uma grande comunidade de fãs que se colocaram desde as primeiras horas do dia na formação de filas. Em um dia quente como o do último 29 de novembro, a nova estrutura externa do Vibra com o quiosque da Opus Entretenimento permitiu ainda um aconchego, junto à boa música liderada pela Steel Tormentor, banda paulista tributo de Helloween que serviu como um perfeito aquecimento para a imersão na cultura alemã que seria entregue logo após.

avantasia em SP

Curiosa e diferente essa dinâmica, uma vez que, devido ao seu tempo extenso de performance, o show do Avantasia não contou com banda de abertura — mas, ao mesmo tempo, tendo essa performance no espaço externo, era quase como uma.


As portas, abertas pouco depois das 19h, assim como seu espaço interno, refletiram uma realidade majoritária da última leva de shows do ano: um público mais enxuto, porém extremamente fiel. E aqui já fica o spoiler: ainda que as últimas fileiras da casa estivessem vazias, o espaço foi coberto pela parede de som dos gritos de cantoria dos fãs durante toda a noite, fazendo com que a sensação fosse de um espaço muito mais cheio do que verdadeiramente estava.


Mas antes de adentrarmos no espetáculo, que aconteceria somente às 21h, vale ressaltar a sagacidade da produção e organizadores do dia, a Rider2 junto ao Vibra, que simplesmente subiram as cortinas antes da hora — mas não para mostrar a estrutura de palco que recebia seus últimos retoques. Isso foi completamente ignorado quando comparado ao grande telão que passou a projetar a final da Libertadores das Américas, no intenso jogo entre Palmeiras e Flamengo, rendendo ótimos momentos de tensão, celebração (ou raiva) coletiva e certamente contribuindo para um passar de tempo rápido e totalmente diferente do que se vê por aí.


Com a vitória do Mengão, as cortinas se fecharam mais uma vez, só para, tempo depois, reabrirem com a chegada de Sascha Paeth (guitarra), Miro Rodenberg (teclados), Felix Bohnke (bateria), André Neygenfind (baixo), Arne Wiegand (guitarra), Herbie Langhans (vocal), Chiara Tricarico (vocal) e Adrienne Cowan (vocal), junto ao ilustre Tobias Sammet, para juntos iniciarem com Creepshow, já do novo álbum. Uma ótima escolha, diga-se de passagem, pela alta energia presente na música, que encaixa bem com aquela ideia de começo de festa.


E logo de cara, seja você um marinheiro de primeira viagem em um show do Avantasia ou um veterano, sempre parece ocorrer o deslumbrar com a valsa de olhos que se torna lei durante o show — seja pela frenética movimentação de palco e brincadeiras com o microfone e sua haste por parte de Tobias, seja pelos tantos elementos que vão ocorrendo. Afinal, não é todo dia que se vê nove pessoas sob um palco.


Logo na sequência, uma viagem ao túnel do tempo, direto para The Metal Opera (2001), com Reach Out for the Light, música que trouxe à frente, saindo do back vocal, a monstruosa Adrienne, que, sem dúvidas, hoje se sagra como uma das melhores vocalistas femininas do mundo. A fluidez de sua voz na alternância entre o melódico, o intenso agudo (e os guturais para quem a acompanha em outros projetos) projeta seu pequeno corpo para um tamanho que a coloca a par de qualquer outra grande lenda.

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O equilíbrio entre ela e Sammet era simplesmente perfeito, sendo esta ainda uma curiosa habilidade do músico: ainda que sendo o grande astro do espetáculo e tendo uma personalidade que claramente o coloca no centro dos holofotes, Tobias sabe também como ceder, deixando aqueles à sua volta brilharem.


A presença da cantora, para além dos backs, se deu em Avalon, outra música do novo álbum — que, diferentemente da primeira, com uma pegada mais épica — ganha aqui um lado mais dramático, em tempo crescente, que teve em seus pontos altos momentos de tirar o fôlego, sabendo extrair cada centímetro de Cowan em uma mistura de poder e sutileza que era praticamente como se existisse somente ela em palco. Sem dúvidas, um dos maiores destaques da noite.


Outra parte integral do espetáculo do Avantasia, para além daqueles em vista, se dá nas participações que rolam ao longo do show, surpresas na forma de músicos que normalmente tomam parte na gravação de alguma música do álbum — sempre grandes personalidades do mundo do metal que trazem aqueles crossovers que você sempre desejou e que, no show do Avantasia, recebe.


Nesta turnê, a primeira participação veio na forma de Tommy Karevik, carismático vocalista do Kamelot, que fez sua vinda valer a pena com participações em The Witch — também do Here Be Dragons e que conta com gravação com o mesmo —, Dying for an Angel (do grande The Wicked Symphony, 2010), a auto-intitulada e épica Avantasia (2001) e a grandiosa The Wicked Symphony, o título mais longo da noite.


Com um visual e uma interpretação mais soturna, a voz de Karevik — potente, sombria e ainda poderosa — se encaixou como uma luva dentro do Avantasia, revelando tanto o grande aceite por parte do público das músicas do novo álbum e das escolhas de participação quanto o bom encaixe de Tommy para algumas das músicas mais antigas.

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E, falando do novo álbum, Tobias, entre as diversas interações com o público, fez questão de pontuar o quanto seu amor por seu material mais recente reflete sua paixão pela música e sua vontade de criar aquilo que quer, sendo uma clara mensagem aos “fãs” mais descontentes que esperam um material similar aos primeiros discos, o que para o músico seria “parar no tempo”.


Essas pausas, às vezes rápidas, às vezes de alguns minutos, continuamente revelavam um artista completo, divertido e com um semblante de quem realmente vive e se diverte fazendo aquilo que faz. Fosse nesses momentos de maior crítica ou apenas para reforçar o amor e as memórias que tem pelo fã brasileiro, a energia de Sammet era simplesmente contagiante.


O mesmo ficou extremamente feliz ao pegar uma bandeira metade alemã, metade brasileira (reforçando muito o que havia dito no início), mas foi com outra bandeira, uma somente brasileira e com o logo da banda, que ele pareceu realmente estar satisfeito, como quem diz: “Ah, este momento é todo de vocês”.


Chega a ser uma tarefa quase hercúlea também representar em palavras a alquimia orquestrativa e o equilíbrio dos instrumentos, tendo tantos contínuos estímulos passando pelos olhos e pela audição. Mas é importante reforçar também o quão bem alinhados estavam os instrumentos, sendo possível ouvir cada um em toda sua grandeza — fosse no trabalho central de Miro em elevar, dar emoção e criar o ambiente com os teclados, fosse no trabalho conjunto de Felix e André nos diferentes ritmos pelas quais íamos passando entre cada fase do Avantasia, ou no papel virtuoso das guitarras, entre riffs e solos limpos, rápidos e épicos. O único que, nesse sentido, ficou em um mix de grandeza e desafios foi Sascha, que lidou com problemas técnicos em sua guitarra ao longo de literalmente todo o show. Em alguns momentos parecia ser algo relacionado a algum fio; em outros, à pedaleira — mas sempre alguma coisinha. Ainda que visivelmente incomodado com a situação, o público pareceu não se frustrar junto ao músico, sempre o celebrando e talvez relembrando-o do porquê a terra do verde e amarelo combina com o projeto da fantasia.

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Voltando a falar das participações (e do novo álbum), o já presente Ronnie Atkins também fez sua participação, tanto em Phantasmagoria — onde sua voz mais rouca e grave é pura alegria de se ouvir em contraste à voz mais aguda de Tobias — quanto mostrando muita vitalidade em Promised Land (única do Angel of Babylon, 2010, e uma das poucas sem a participação de Tobias em palco). Brilhou também em Let the Storm Descend Upon You (Ghostlights, 2016), contando com a participação ativa de Herbie, que de forma tão magistral conduz muito bem suas entradas, ainda mais por ter uma outra camada de voz que adiciona textura aos coros. Atkins retornou ainda em Twisted Mind (The Scarecrow) e na própria The Scarecrow.


É quase inimaginável pensar que uma pessoa tão ativa no mundo da música, seja no Avantasia ou no Pretty Maids, atualmente enfrente um câncer terminal. Chega a ser emocionante a potência de suas interpretações em palco, de alguém talvez vivendo o “aqui e agora” em sua maior totalidade. Debilitado? Trêmulo? Sim. Mas igualmente sim para imparável — um dos nomes da velha guarda que é referência para muitos músicos e que é um puro deleite de se ver.


Deixando talvez o melhor para o final, hoje em dia é praticamente impossível pensar em Avantasia, em participações, e não pensar na figura de Kenny Lackremo, vocalista do H.E.A.T., que vem fazendo aparições desde o ano passado e estreando também no Here Be Dragons. E, dito e feito, a primeira aparição do músico foi justamente em sua música, Against the Wind, onde esta dupla inesperada simplesmente fizera um espetáculo à parte.


Sendo outro showman, em todo seu visual hard rocker, Kenny tinha uma intensidade não só de postura, mas em toda sua voz, mostrando um range fora de série, daqueles de se deixar a boca aberta em cada participação. E certamente o impacto visual de Against the Wind foi algo à parte, o que eu colocaria facilmente como outro dos grandes destaques da noite, sendo, portanto, dois dos melhores momentos protagonizados por elementos do novo álbum.

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Mas suas participações não se encerraram nisso. Kenny retornou em Promised Land, fazendo o duo com Atkins em outro dueto equilibrado e de diferentes facetas; participou também em The Wicked Symphony, ao lado de Karevik; e em Shelter from the Rain, onde era basicamente um momento de expectativa: “quando será que ele volta?”. A cada aparição, Lackremo trazia uma vivacidade que roubava o show — e aqui, novamente, vale mencionar a maestria de Tobias na divisão de protagonismos.


Mas certamente outro dos melhores momentos, também protagonizado por Lackremo, se deu em No Return, quando Tobias quase pediu licença ao público para vestir as largas vestes de nosso maestro André Matos, para uma das homenagens mais emocionantes. Mesmo antes de seu início, somente nas palavras de Tobias sobre a importância do músico e do amigo, já se arrancavam lágrimas de muitos na plateia, contagiando inclusive vários dos membros da banda, como Paeth e Cowan.


A ligação Brasil–Alemanha, afinal, no que tange ao Avantasia vai além de uma história de banda e fãs:  resvala em uma parceria magnética com uma das vozes mais memoráveis, eternas e saudosas do metal mundial. Um momento à altura, catártico e necessário, no qual Kenny cumpriu seu papel com total maestria e respeito, fazendo deste o momento mais emocionante da noite.


Mesmo após seu fim, e antes da clássica Lost in Space, momento este onde se dá grande destaque para Chiara em sua voz melodiosa e música esta que furou a bolha do metal levando o Avantasia para o mainstream, o coro comovido dos fãs ainda puxou Inside, que foi seguido pelo próprio Tobias, cantando um pouquinho. No coro de “André! André! André!”, um felizardo da plateia ainda jogou ao músico uma camiseta com o rosto de nosso maestro, sendo hasteada e levando o público à loucura.

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Risos, choros, momentos de reflexão e total euforia. Pelas quase duas horas e quarenta de show fomos levados a todos os picos e vales das emoções e sensações, guiados por um conjunto gigante de um cast musical. Mas é claro que toda boa celebração precisava de um momento-chave para sedimentar este grande espetáculo, onde nas palavras de Tobias, brincalhão como sempre ao dizer que esta seria uma música “pouco ouvida”, se referia ao já clássico fechamento Sign of the Cross / The Seven Angels, que mistura toda a epicidade, energia contagiante e alta do Avantasia, trazendo todos os músicos e convidados ao palco e servindo como aquele ato derradeiro que trouxe júbilo e confetes coloridos voando aos céus.


Um show da mais pura autenticidade, energia e entrega — onde não, não foi o de maior produção de palco quando comparado com a estrutura lá fora, mas que mostrou que o que importa está no gogó e nas mãos de quem cria. Algo inclusive pontuado ferozmente por Tobias sobre a realidade sonora enquanto algo “ao vivo” mesmo, onde seus acertos, erros, impasses e imperfeições tornam da terra da fantasia (ou melhor, da experiência Avantasia) curiosamente a mais humana e real possível.


Felizes aqueles que se dispuseram a ir, mesmo que já tendo tido a oportunidade de ver os músicos há poucos meses atrás, pois puderam presenciar não só um show mais completo e longo, mas um show emocionante e uma experiência que reforça o porquê de o Avantasia fazer da América Latina um segundo lar  e do porquê não devem demorar para retornar ao nosso solo.

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Avantasia- setlist:

  1. Creepshow
  2. Reach Out for the Light(com Adrienne Cowan)
  3. The Witch(com Tommy Karevik)
  4. Devil in the Belfry(com Herbie Langhans)
  5. Phantasmagoria(com Ronnie Atkins)
  6. Against the Wind(com Kenny Leckremo)
  7. Dying for an Angel(com Tommy Karevik)
  8. Avalon(com Adrienne Cowan)
  9. Promised Land(com Kenny Leckremo e também Ronnie Atkins; sem Tobias Sammet)
  10. Avantasia(com Tommy Karevik)
  11. Let the Storm Descend Upon You(com Herbie Langhans e também Ronnie Atkins)
  12. The Toy Master
  13. Twisted Mind(com Ronnie Atkins e também Tommy Karevik; sem Tobias Sammet)
  14. The Wicked Symphony(com Tommy Karevik e também Kenny Leckremo; sem Tobias Sammet)
  15. Shelter from the Rain(com Herbie Langhans e também Kenny Leckremo; sem Tobias Sammet)
  16. Farewell(com Chiara Tricarico)
  17. The Scarecrow(com Ronnie Atkins)
  18. No Return(com Kenny Leckremo; dedicada a André Matos)
  19. Lost in Space(com Chiara Tricarico; precedida de trecho de “Inside” cantado com o público)
  20. Sign of the Cross / The Seven Angels(com todos os convidados anteriores)

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